Para recordar a dor e a humilhação daqueles que foram e que ainda são escravizados nos dias de hoje, o artista russo Fyodor Pavlov-Andreevich levará seu corpo ao limite na abertura de sua exposição Monumentos Temporários, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, no Parque Ibirapuera.
O artista se pendurará no topo do museu por sete horas, a uma altura de 40 metros, segurando uma longa faixa que adverte o público sobre o vínculo entre a escravidão e o racismo. A apresentação acontecerá no dia 1º de abril, sábado, das 14h às 21h.
Esta é a sétima e última apresentação de Fyodor sobre a problemática. A exposição, que ficará em cartaz até dia 13 de agosto, recapitula as atuações anteriores, feitas desde 2014, através de instalações fotográficas e microfilmes produzidos em colaboração com o videoartista alemão Ilya Pusenkoff.
Para o russo, a captura da performance por vídeos e fotografias pode sobreviver por muito mais tempo do que a materialidade de obras físicas. “Não acredito em monumentos eternos. Com o passar das décadas eles perdem a comoção do contexto inicial e se tornam meros elementos arquitetônicos”, pensa Fyodor. “Acredito em monumentos temporários. Aqueles que existem no espectro de um horizonte temporal fixo, marcados por trabalho físico intenso. Uma estrutura mutável, porém com um senso contínuo da energia do momento.”
“Para Fyodor, resistir ao risco físico e psicológico é ser honesto diante da experiência da performance, respeitá-la em sua integridade”, explica Ana Avelar, curadora da exposição. “Os monumentos temporários são objetos que se constituem de meios diversos – a foto, a performance, o objeto – e não pretendem se fixar na paisagem”, completa.
O projeto
Monumentos Temporários é uma série de sete performances, com duração de sete horas cada uma, que representa sete cenas de castigos impostos historicamente a escravos no Brasil. As atuações foram planejadas com base na intensa pesquisa que o artista tem feito durante os últimos quatro anos sobre a escravidão contemporânea.
Na primeira performance, por exemplo, Fyodor escalou um coqueiro e ficou agarrado ao tronco, a 10 metros de altura, por sete horas, em referência aos escravos que escalavam as árvores, escondidos na noite, em busca de sementes para contrabandear e tentar conseguir dinheiro para comprar alforria.
Na quinta performance, no Rio de Janeiro, caminhou por sete horas com um pesado cesto na cabeça para relembrar uma das humilhantes obrigações dos escravos brasileiros: levar e despejar as fezes de seus senhores no mar.
Na sexta atuação, o artista relembrou o caso do jovem de 14 anos, negro, suspeito de furto, que foi violentamente agredido, deixado nu e preso com uma trava de bicicleta a um poste, na zona sul do Rio de Janeiro. De pele muito alva e loiro, Fyodor atou-se a um poste, nu e ficou lá por sete horas e escancarou a distinta reação dos passantes.
Um problema global
Apesar de se orientar pelo contexto histórico brasileiro, o trabalho de Fyodor diz respeito a uma população muito mais ampla, que ultrapassa as fronteiras de qualquer país. “Meu trabalho não é sobre uma nação em particular. Sou russo, passo meu tempo entre lá e o Brasil. Os dois países estão lutando para lidar com o pesado legado do patrimônio totalitário: muitos brasileiros ainda se consideram proprietários de escravos, ou até mesmo escravos, ao passo que os russos se consideram a melhor e a única nação do mundo, ainda que o país ocupe a 7ª posição no Índice de Escravidão Global”, afirma Fyodor.
“Hoje, 1,4 milhão de trabalhadores na Rússia consideram-se escravos devido às condições severas de trabalho e de vida, principalmente aqueles vindos do Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão, e, somando-se a isto, sofrem também com ataques e manifestações xenofóbicas, de ódio e de violência física”, conta o artista. “O meu projeto é sobre como o trabalho escravo continua a existir, de uma forma ou de outra, na cabeça, no corpo, nas práticas e nas condutas de cada um de nós”, elucida.
A exposição Monumentos Temporários, do artista russo Fyodor Pavlov-Andreevich, fica em cartaz de 1º de abril a 13 de agosto de 2017, às terças-feiras, das 10h às 21h, e de quarta-feira a domingo, das 10h às 18h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), localizado na Avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. A inauguração da mostra ocorrerá às 14 horas do dia 1º de abril, sábado. A entrada é gratuita. Mais informações podem ser obtidas no endereço eletrônico www.mac.usp.br/mac/.