Arte sobre fotos de Fusion Medical Animation, divulgação/Revista Música e John Matychuk via Unsplash

Revista Música faz dossiê sobre quarentena

Publicação da ECA analisa como a pandemia tem relação com o trabalho dos músicos

Por Gustavo Xavier

Foi lançada em dezembro a mais recente edição da Revista Música. Publicação do Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA-USP), a revista usualmente traz um dossiê temático. Dessa vez, a relação entre a circunstância da quarentena e sua relação com a música e os músicos foi o foco da edição. São oito artigos e dois relatos que atravessam os seguintes eixos: “Educação Musical”, “Performance Musical” e “Saúde e Emoções do Músico”. Todos eles tratando dessa situação atípica marcada pelo isolamento social.

A publicação também traz nove artigos com temáticas livres, passando por assuntos que vão da análise de personagens da ópera Elektra ao estudo etnomusicológico de um instrumento de origem africana.  As traduções de textos de referência complementam a revista, que também publica a partitura de uma obra dedicada ao momento da pandemia junto ao relato de seu autor.

Esta é a primeira de duas edições com o mesmo dossiê. A seguinte está prevista para fevereiro e já está com chamada aberta para artigos.

Foto: Divulgação/Revista Música

Em entrevista ao Jornal da  USP, Paulo de Tarso Salles, professor do Departamento de Música da ECA-USP e editor da revista, explica sua visão sobre a situação que vivemos e destaca como a publicação se articula sensivelmente aos desafios da pandemia.

JORNAL DA USP:  Como foi definido o tema do dossiê “Música em Quarentena”? Quais fatos e observações colaboraram para chegar a essa definição?

PAULO DE TARSO SALLES: O tema surgiu diante dos acontecimentos que se sucederam após a adoção de medidas de distanciamento social, especialmente como isso afetou a atividade dos músicos em diversos níveis: as atividades de ensino e aprendizagem, atividades artísticas, interações entre músicos, além do aspecto profissional e psicológico. Os músicos se viram subitamente privados de praticamente todas as condições de realização de tarefas que garantem não apenas sua subsistência material como psíquica, dando sentido a seus projetos de vida. Isso me pareceu algo digno de uma reflexão que envolvesse a dimensão racional e o registro emocional dessas experiências.

JUSP: Quais contribuições se espera que essa edição realize e junto a quais públicos?

Paulo de Tarso - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

PAULO DE TARSO:  Essa edição enfoca diversos pontos importantes, que dizem respeito à sociedade em geral, tendo em vista a necessidade que os seres humanos têm de se socializar em torno de um evento musical, entendido como um rito de expressão cultural que reúne músicos e ouvintes; até aspectos mais específicos como a questão do ensino a distância que, realizado de forma compulsória, revelou claramente a importância da educação presencial e das trocas que ocorrem na sala de aula. Outro ponto interessante foi o surgimento de estratégias criativas de projetos educativos e artísticos, fazendo com que as lives e conversas online pudessem se tornar janelas de acolhimento e de identidade cultural. Também mostra como a música pode ser importante para a regulação do estado de ânimo de todos os que sofreram perdas importantes (afetivas, materiais etc.) durante o período de isolamento. Essa edição, portanto, pode contribuir não só para a comunidade de pesquisadores na área de Música, mas também nas áreas de Educação, Cultura, Administração e Saúde.

JUSP:  Como se chegou à divisão do dossiê nas três subáreas (“Educação Musical”, “Performance Musical” e “Saúde e Emoções do Músico”)?

PAULO DE TARSO: A proposta foi levada a quatro pesquisadoras de grande notoriedade nessas subáreas: as Professoras Doutoras Magali Kleber (Universidade Estadual de Londrina), Luciane Garbosa (Universidade Federal de Santa Maria), Sonia Ray (Universidade Federal de Goiás) e Luciane Cuervo (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Realizamos alguns debates entre nós e entendemos que esses tópicos representariam algumas das questões mais cruciais que afetaram a vida profissional e emotiva dos músicos e da sociedade em relação à Música.

JUSP: Em sua visão, de que forma o ofício musical foi afetado por esse período de pandemia?

PAULO DE TARSO:  A mim, diretamente, afetou como professor que sou, tendo que adaptar os processos de ensino, elaboração de material, comunicação e avaliação exclusivamente por meio do recurso de videoconferência. Foi chocante constatar, muitas vezes, minha própria fragilidade diante dessas barreiras e também observar as dificuldades que foram impostas aos estudantes. Vi também muitos colegas e alunos que atuam como cantores e instrumentistas perderem suas referências e meios de vida, os contatos e atividades que garantem sua subsistência profissional e que dão sentido a seus ciclos criativos. A pressão social pela reabertura do comércio e outras atividades em ambientes fechados não deu aos músicos muitas oportunidades de restabelecer sua atividade.

Foto: Divulgação Orquestra Errante

JUSP: Há outros temas e artigos que o senhor chamaria a atenção nesta edição?

PAULO DE TARSO: Além do Dossiê “Música em quarentena”, a edição traz outros trabalhos que mostram como os pesquisadores na área de Música têm se mantido produtivos e atuantes. Destaco particularmente duas efemérides que foram contempladas nesses estudos: os 50 anos do Movimento Armorial e os 250 anos do nascimento de Beethoven; além disso, a gama de assuntos revela a vitalidade da pesquisa em música, abrangendo reflexões sobre a natureza da performance musical, a estrutura da palavra cantada, a interação entre música e dança, a representação de aspectos psicológicos em uma ópera de Richard Strauss, as representações culturais em torno da Mbira – instrumento presente em várias culturas africanas – e, por fim, uma análise de uma peça do compositor brasileiro Harry Crowl. Toda essa diversidade é complementada por dois textos clássicos traduzidos para o idioma português, um de Thrasybulos Georgiades, outro de Jean-Jacques Nattiez, além de uma partitura e relato de Harry Crowl sobre uma obra composta a propósito da pandemia, para um evento na Alemanha.

JUSP: O que você diria para incentivar a leitura desta edição da revista?

PAULO DE TARSO: Creio que essa edição seja um grande relato multifacetado de questões que nos afetaram e ainda afetam nesses tempos tão excepcionais. Nela, os leitores encontram desde artigos de caráter científico até relatos pessoais que registram como a música interage com todos nós nas mais diversas situações e contextos.

A Revista Música está disponível online e pode ser baixada no seguinte endereço: https://www.revistas.usp.br/revistamusica/issue/view/11831

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