Queima de lenha e carvão pode contribuir para piora da qualidade do ar em São Paulo

A avaliação é de um estudo feito por pesquisadores da USP e de outras universidades brasileiras e estrangeiras

 04/07/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 06/07/2016 as 16:32
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Queima de carvão em churrascaria e de lenha em pizzaria contribui para a piora da qualidade do ar em São Paulo – Fotos: Divulgação/Wikimedia Commons

A qualidade do ar na Grande São Paulo poderá ser melhorada por meio do controle de emissões de poluentes por fontes ainda não reguladas e subestimadas, como a queima de lenha por pizzarias e de carvão vegetal por churrascarias, entre outras medidas.

A avaliação é de um estudo feito por pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, em colaboração com colegas da University of Surrey, na Inglaterra, da North Carolina State University, dos Estados Unidos, e das Universidades Federal de Minas Gerais (UFMG) e Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Resultado de um projeto realizado no âmbito da University Global Partnership Network (UGPN) – uma rede de pesquisa que reúne algumas das principais universidades do mundo para trabalhar em conjunto sobre questões de importância global – e de um Projeto Temático vinculado ao Programa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), o estudo foi publicado na revista Atmospheric Environment.

“Apesar de a maioria das emissões de poluentes na Região Metropolitana de São Paulo ser proveniente da frota veicular, há outras fontes que devem ser consideradas, como a contribuição de queimadas oriundas dos processos agrícolas em São Paulo e de florestas da Amazônia, e outras mais locais de queima de biomassa, como a de lenha por pizzarias e de carvão vegetal por churrascarias”, disse Maria de Fátima Andrade, professora do IAG e coautora do estudo, à Agência Fapesp.

“Mas é importante ressaltar que o controle das emissões veiculares tanto por programas de melhoria das emissões quanto pela redução da frota de veículos é que resultará em melhora efetiva da qualidade do ar na Grande São Paulo”, avaliou.

Estudo sugere que controlar as emissões de fontes de poluentes não reguladas e subestimadas, como a queima de lenha por pizzarias e de carvão vegetal por churrascarias, pode melhorar a qualidade do ar na metrópole - Foto: divulgação/Wikimedia Commons
Estudo sugere que controlar as emissões de fontes de poluentes não reguladas e subestimadas, como a queima de lenha por pizzarias e de carvão vegetal por churrascarias, pode melhorar a qualidade do ar na metrópole – Foto: divulgação/Wikimedia Commons

De acordo com a pesquisadora, a atual frota de automóveis em circulação representa a principal fonte de poluentes do ar na Região Metropolitana de São Paulo, especialmente de material particulado – partículas muito finas de sólidos ou líquidos suspensas no ar.

As emissões de poluentes por veículos novos que entram em circulação hoje na metrópole, contudo, têm diminuído nos últimos anos devido a uma série de medidas voltadas a controlar as emissões de acordo com padrões mais restritivos.

Há, entretanto, outras fontes de emissões que envolvem processos de queima da biomassa – que incluem a queima de lenha, carvão vegetal e resíduos – sobre as quais ainda não há muitos dados sobre sua contribuição nas emissões totais de poluentes e seus impactos na saúde, ponderou a professora.

“Ainda não sabemos qual a real contribuição dessas fontes de emissões de poluentes e até mesmo de outras muito maiores, como as industriais, que ainda carecem de uma melhor descrição e avaliação de seus impactos atmosféricos”, afirmou.

Emissões por pizzarias

A fim de estimar a participação de diferentes fontes no total de emissões de poluentes gerados pela queima de biomassa na Região Metropolitana de São Paulo, os pesquisadores do IAG, em colaboração com diversos grupos de pesquisa no Brasil e no exterior, levantaram uma série de dados durante o Projeto Temático apoiado pela Fapesp.

Já por meio do projeto realizado no âmbito da UGPN, eles estudaram o transporte químico para a metrópole de aerossóis gerados pela queima de floresta na Amazônia e da palha da cana, no Estado de São Paulo, com o objetivo de distingui-los dos decorrentes de emissões locais, como as geradas pela queima de lenha e de carvão.

“Quando se medem as emissões de poluentes por queima de biomassa na Região Metropolitana de São Paulo sempre se supõe que é resultado do transporte de partículas emitidas pela queima da folhagem da cana-de-açúcar fora da metrópole, por exemplo, que percorre longas distâncias”, disse a docente.

“Mas, na verdade, pode ser que boa parte da massa de partículas com compostos carbonáceos [de carbono] seja proveniente da queima de biomassa dentro da cidade, como a proveniente da queima de lenha em pizzarias e de carvão vegetal em churrascarias”, indicou.

Um trabalho de mestrado realizado pelo estudante Francisco Daniel Mota Lima no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, orientado pela professora Regina Miranda, confirmou essa hipótese dos pesquisadores.

O estudo apontou que a queima de biomassa em fornos de pizzaria na cidade de São Paulo representa uma fonte de poluição do ar.

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Nos relatórios não há distinção entre lenha e carvão vegetal, e os maiores consumidores dos dois produtos são pizzarias e churrascarias – Foto: Free Stock

De acordo com estimativas do estudo, há 11 mil pizzarias só em São Paulo – a segunda cidade que mais consome pizza no mundo, atrás apenas de Nova York, nos Estados Unidos.

Aproximadamente 80% desses estabelecimentos queimam lenha, principalmente eucalipto, para produzir cerca de 1 milhão de pizzas por dia.

A quantidade média de lenha usada pelas pizzarias na cidade é de 48 toneladas por ano. Esse número perfaz um total de 7,5 hectares de floresta de eucalipto queimados por mês e 307,2 mil toneladas de madeira incineradas por ano, que resultam na emissão para a atmosfera de cerca de 321 quilos (kg) por dia de material particulado com diâmetro menor do que 2,5 mícrons (µm) – considerado o mais relevante em termos de impactos à saúde, além de poder interferir no balanço radioativo.

“Apesar de toda essa quantidade de queima de lenha por pizzarias, ela representa, aproximadamente, 3% das emissões diárias do total de poluentes gerados por veículos e indústrias, o que relativamente é muito pouco”, comparou Maria de Fátima.

As emissões de poluentes pela queima de lenha em pizzarias e de carvão vegetal por churrascarias e sua participação no total das emissões pela queima de biomassa na Região Metropolitana de São Paulo, contudo, não estão quantificadas e, consequentemente, não têm sido consideradas nos inventários de emissões de poluentes na metrópole, apontam os pesquisadores.

Nos relatórios do Balanço Energético do Estado de São Paulo, por exemplo, não há distinção entre lenha e carvão vegetal, e os maiores consumidores dos dois produtos são pizzarias e churrascarias.

Uma vez que as emissões ocorrem no começo da noite – quando as condições atmosféricas estão mais estáveis e as partículas dispersam menos – e as chaminés das pizzarias e churrascarias estão situadas no nível do solo, o efeito pode ser muito maior, especialmente durante os meses frios, quando as condições atmosféricas também ficam menos favoráveis à dispersão de poluentes.

“Na média, talvez a contribuição dessas emissões não seja tão significativa no total das emissões pela queima de biomassa na Região Metropolitana de São Paulo, porque está mais diluída. Mas, se olharmos para horários específicos, como o começo da noite e durante os meses frios, a contribuição pode ser maior, porque estará um pouco mais concentrada”, avaliou Maria de Fátima.
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Outras fontes

Foto: Divulgação/Secom-TST
Queima da cana-de-açúcar – Foto: Divulgação/Secom-TST

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Na opinião dos pesquisadores são necessários mais estudos para quantificar e calcular a contribuição exata, não só das emissões de partículas pela queima de lenha nas pizzarias e churrascarias na Região Metropolitana de São Paulo, mas também de outras fontes não regulamentadas e contabilizadas nos inventários de emissões totais.

Entre elas estão a construção e demolição de imóveis; a recuperação e manutenção do asfalto de estradas de rodagem; a queima de lixo doméstico; o transporte de poluentes provenientes de atividades industriais fora da Grande São Paulo; a queima de biomassa na área urbana periférica; e o transporte de fumaça de queima da cana-de-açúcar e de áreas de floresta, especialmente da Amazônia.

A redução das emissões de poluentes por essas fontes pode se traduzir em melhoria da qualidade do ar e, consequentemente, da saúde da população, indicam os pesquisadores.

Em Nova Déli, na Índia, por exemplo, onde se queima muita lenha, foi proposto recentemente que todos os restaurantes da cidade com capacidade de atender mais de 10 pessoas sentadas devem substituir a queima de carvão por aparelhos elétricos ou a gás natural para o preparo das refeições.

As medidas devem resultar em uma redução de cerca de 67% nas emissões de material particulado com 10 e 2.5 µm de diâmetro, estimam os pesquisadores.

Na Região Metropolitana de São Paulo, que é a quinta região urbana mais populosa do mundo e a segunda mais povoada da América Latina, com 21 milhões de habitantes, é preciso avaliar os impactos de todas as fontes que podem afetar a qualidade do ar, inclusive das emissões por processos de queima de biomassa, sugerem os autores do estudo.

“Qualquer ganho em termos de redução da concentração de poluentes representa muito, porque tem um impacto muito grande sobre a população de 21 milhões de pessoas”, avaliou Maria de Fátima.

O estudo New directions: from biofuels to wood stoves: The modern and ancient air quality challenges in the megacity of São Paulo (doi: 10.1016/j.atmosenv.2016.05.059), de Kumar e outros, pode ser lido por assinantes da revista Atmospheric Environment.

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Elton Alisson/Agência FAPESP

 


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