Pint of Science: os aprendizados do festival que invadiu o Brasil

Natalia Pasternak, coordenadora do Pint of Science Brasil; Denise Casatti, analista de comunicação do ICMC da USP

 26/05/2017 - Publicado há 7 anos
Natalia Pasternak – Foto: Divulgação

 

Denise Casatti – Foto: Divulgação
Um bom papo de boteco que reuniu, aproximadamente, 20 mil pessoas para falar sobre ciência no Brasil. Assim foi o Pint of Science, um festival internacional de divulgação científica que alcançou 22 cidades brasileiras este ano. Em todos os cantos do País, durante os três dias do festival (15, 16 e 17 de maio), os bares e restaurantes que sediaram a iniciativa ficaram lotados. Uma cena comum em quase todo festival é de pessoas aglomeradas, em pé, sentadas nas escadarias, no chão ou assistindo do lado de fora, pela janela.

Há muitos aprendizados que podemos ter analisando o sucesso dessa experiência, que começou na Inglaterra em 2013 e chegou ao Brasil em 2015, quando o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, trouxe o festival para o País. O primeiro deles é bastante óbvio: quem disse que o brasileiro só gosta de futebol, samba e política? O sucesso do festival em todo o País mostra que a população quer de fato saber sobre ciência.

O público era predominantemente jovem e universitário, discutindo temas como astronomia, computação, inteligência artificial, medicamentos, microbiologia, física quântica e tantos outros. Que outra chance esses jovens têm para interagir com pesquisadores de outras áreas, de outras unidades de ensino e bater um papo descontraído, em um local agradável, com boa comida e bebida?

Entre os presentes, havia também pessoas de todas as idades, incluindo até crianças, ansiosas para debater temas que nunca teriam oportunidade em outro local. Já imaginou poder tirar suas dúvidas sobre dieta com os professores de metabolismo do Instituto de Química da USP? Perguntar sobre o zika vírus para o próprio cientista que publicou na revista Nature sobre microcefalia? Ou que tal se informar sobre a missão Garatéa com o líder do projeto?

Outro aspecto interessante é que muitos cientistas se disponibilizavam para participar do evento, mostrando o quanto nossos pesquisadores querem sair de seus laboratórios e ter contato direto com a sociedade. Bastava ser criado um canal para isso, tal como o Pint of Science fez. Para realizar o festival, uma rede de voluntários foi mobilizada, unindo profissionais de diferentes áreas do conhecimento e de diversas instituições de ensino e pesquisa, que estão buscando aprimorar o festival a cada ano.

Um bom papo de boteco que reuniu, aproximadamente, 20 mil pessoas para falar sobre ciência no Brasil. Assim foi o Pint of Science, um festival internacional de divulgação científica que alcançou 22 cidades brasileiras este ano […] Uma cena comum em quase todo festival é de pessoas aglomeradas, em pé, sentadas nas escadarias, no chão ou assistindo do lado de fora, pela janela.

Iniciativas como essas não são recentes. Steven Johnson conta, em seu livro A invenção do ar, como as casas de café de Londres em meados do século 17 impulsionaram o movimento iluminista. Não por acaso, os cafés eram o local de encontro dos cientistas. Isso possibilitava a troca de ideias, a interação entre áreas de estudo diferentes e culminou no avanço da ciência naquela época. Afinal, as melhores ideias geralmente não aparecem na bancada do laboratório, mas na hora do cafezinho, quando estamos trocando ideias com os colegas. Dessa forma, os cafés democratizaram o acesso à informação e ficaram conhecidos como “universidades de vintém”, já que, pelo preço de um café, qualquer um podia degustar um pouco de conhecimento.

O problema é que no novo modelo de universidade que criamos, com diversas e cada vez mais distintas especializações, foram reduzidas as possibilidades de troca. Nossas universidades já não são espaços de discussão, ao contrário, tornaram-se locais de isolamento por áreas, onde nos relacionamos quase tão somente com colegas da mesma linha de pesquisa e, mesmo com esses, poucas vezes conversamos e debatemos.

O Pint of Science é, ainda, uma excelente oportunidade de aprendizado para os cientistas por desafiá-los a traduzirem a ciência em uma linguagem simples e acessível para todos. Acostumados a falar para seus pares, que já conhecem o jargão técnico e os conceitos básicos de sua linha de pesquisa, muitos cientistas têm dificuldades para explicar o que fazem a um cidadão comum. Após passar por essa experiência, eles relatam que é extremamente compensador ser compreendido e valorizado por seu trabalho por pessoas que não são da academia.

Além disso, participar do festival acaba dando um empurrãozinho para que o cientista olhe para sua linha de pesquisa com outros olhos. Ele é instigado a imaginar como a sociedade enxerga sua pesquisa, que dúvidas teria, como mostrar a beleza e a importância do que faz.

Iniciativas como essas não são recentes. Steven Johnson conta, em seu livro A invenção do ar, como as casas de café de Londres em meados do século 17 impulsionaram o movimento iluminista. Não por acaso, os cafés eram o local de encontro dos cientistas. Isso possibilitava a troca de ideias, a interação entre áreas de estudo diferentes e culminou no avanço da ciência naquela época.

O Pint of Science contribui, ainda, para que os pesquisadores percebam que é parte de suas funções explicar à sociedade o que fazem. É o dinheiro dos impostos que paga seus salários nas universidades públicas, então, nada mais justo do que prestar contas sobre o que realizam com esses recursos e mostrar que o investimento não é em vão. Nesse sentido, o Pint of Science favorece a conscientização pública sobre a ciência. Ao final de cada bate-papo no bar, não há nada mais gratificante do que notar que o público entendeu o valor da ciência e que, sem ciência e tecnologia, não existe desenvolvimento, não existe saúde, não existe educação.

O valor da contribuição que um festival desse porte pode propiciar ao Brasil no atual momento que a ciência brasileira vive é outro aspecto que deve ser ressaltado. O cenário é de cortes violentos no orçamento, fusão do Ministério e redução de bolsas de pós-graduação. Essa desvalorização da ciência é um reflexo da falta de comunicação entre a academia, a sociedade e a classe política.

Se no momento de crise nossos líderes cortam prioritariamente o investimento em ciência, certamente desconhecem a importância disso para o desenvolvimento de um país. Se houvesse um corte de 44% na saúde ou na educação, a população iria às ruas protestar. Mas ninguém protestou por nós. Porque com o tempo, ficamos invisíveis, e ninguém sabe o que fazemos, como fazemos e por que fazemos. Mas ainda há tempo. Há vontade. E agora há também o canal, que não deve de forma alguma ser o único. Precisamos criar mais canais, em formatos diferentes, que atinjam públicos diversos, durante o ano todo. Falar de ciência é necessário e divertido. Fica melhor ainda com batatinha e cerveja!

 


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