Defensoria Pública é via para a inserção social de pessoas em sofrimento e portadoras de transtornos mentais

Estudo da EERP aponta que os portadores de transtorno mental e seus familiares ainda encontram dificuldades para terem acesso às diferentes políticas públicas.

 17/08/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 25/04/2018 as 10:44

Pesquisa da USP em Ribeirão Preto analisa a atuação do órgão paulista na garantia dos direitos dessa população  

Há quase cinquenta anos, o Movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira criou uma nova ordem nas políticas de saúde mental. Entre outras conquistas, as pessoas com transtornos mentais passaram a ter o direito de serem inseridas na sociedade alterando a lógica manicomial. Estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP aponta que essas pessoas e seus familiares possuem um importante aliado na luta para a proteção dos seus direitos e inserção social: a Defensoria Pública.

A psicóloga Edilene Mendonça Bernardes (na foto em sua defesa de tese) analisou o acesso à Justiça para pessoas com demanda de saúde mental e, nesse processo, o papel da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP), que tem a missão de lutar pela democracia, ampliando o acesso à justiça para as classes sociais menos favorecidas.

Após grande mobilização da sociedade civil do Estado de São Paulo, que exigia a implantação da Defensoria Pública prevista na Constituição de 1988, surge no ano de 2006 a DPESP. Posteriormente, em 2010, são criados os Centros de Atendimento Multidisciplinar, com o objetivo de garantir atendimento integral aos cidadãos que procuram a Defensoria. Os centros são compostos de profissionais da área psicossocial, entre eles os psicólogos e assistentes sociais.

Os resultados da pesquisa mostraram que a instituição tem superado barreiras para proporcionar maior acesso à justiça para essa demanda. “A DPESP tem papel importante para que as pessoas em sofrimento ou portadoras de transtornos mentais, que historicamente foram excluídas, possam ser inseridas no sistema de justiça e, consequentemente, encontrar caminhos para ampliarem seu exercício de cidadania”, ressalta a pesquisadora.

A DPESP surge para fazer a defesa das pessoas de maior vulnerabilidade, atuando nas áreas judicial, extrajudicial e educação dos direitos. “A educação em direitos é viabilizada quando o profissional faz orientação da população em relação às formas de acesso aos diferentes serviços e políticas públicas. Além disso, os profissionais da DPESP realizam eventos em parceria com Universidades, e a instituição possui a Escola da Defensoria (Edepe) para capacitação de seus profissionais”, conta a pesquisadora. Com isso, a instituição vem favorecendo o desenvolvimento da cidadania, a fim de que as pessoas possam saber quais seus direitos.

Em todo o Estado, diz Edilene, a DPESP trabalha em parceria com a rede de serviços de saúde, a fim de melhorar o fluxo no atendimento e na capacitação e orientação de profissionais da saúde mental. “Identificam-se iniciativas promissoras de trabalhos integrados entre a DPESP e os serviços de gestão de políticas de saúde mental e de assistência social, beneficiando o atendimento de pessoas em sofrimento e portadoras de transtornos mentais e seus familiares”, afirmou a pesquisadora.

Usuários

Edilene estudou o acesso à Justiça dos portadores, ouvindo diferentes pessoas que atuam dentro da instituição e usuários do serviço. Ela realizou entrevistas com representantes de movimentos sociais, que também participaram do movimento para implantação do serviço e permanecem atuantes na instituição. Conversou com assistentes sociais, psicólogos e defensores de todo o Estado de São Paulo.

Os próprios portadores de transtornos mentais e seus familiares, entrevistados para a pesquisa, relatam que estudos como esse contribuem para que consigam expor suas condições de existência, suas dificuldades e a percepção que eles têm sobre os serviços prestados para a efetivação do acesso deles à justiça.

Para a pesquisadora, com o estudo, é possível ampliar a discussão sobre as responsabilidades que cabem aos órgãos públicos, aos familiares e a sociedade em geral diante das demandas de saúde mental. “Esse é um dos primeiros estudos que analisa a proposta institucional da DPESP para a área, as possibilidades e as dificuldades encontradas em uma atuação jurídica, dando ênfase na defesa daqueles que não possuem condições para se sustentar e de subsidiar honorários advocatícios”, relata Edilene.

Segundo Edilene, é recorrente que os portadores e sua família não tenham conhecimento de que existe uma instituição em que possam buscar ajuda. Sem um auxílio, as famílias se desesperam, muitas vezes não conseguem ter o controle da situação. Então, “muitos portadores acabam se tornando moradores de rua, passam fome e sobrevivem do lixo. A rua acaba propiciando situações de risco, com frequência relatam abuso de drogas e situações de violências incluindo violências sexuais”.

Edilene ressalta que existe, sim, uma instituição para defender vulneráveis, e dentre eles os portadores de transtorno mental. “Esse estudo colabora dando voz às pessoas que normalmente têm dificuldade de acesso à justiça.”

Mudanças na política de saúde mental

A partir da década de 70, houve uma grande mudança nas políticas de saúde mental no Brasil. O portador de transtorno mental passa a ser reconhecido como cidadão. Além disso, a reforma modificou o sistema de tratamento clínico dos pacientes, que antes ficavam longos períodos internados em hospitais, chamados manicômios, sendo até “esquecidos nesses locais”.

“A política de saúde mental, que antecede aos Movimentos da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, se restringia ao modelo médico hospitalar, e foi denunciada por diferentes violações de direitos humanos. Com a reforma, o ‘paciente’ passa a ser reconhecido como sujeito de direitos”, conta a pesquisadora.

Mas, mesmo com as mudanças positivas, consideradas um avanço no sistema, quase meio século depois, na prática, a implantação de serviços extrahospitalares não se efetivou totalmente. “Aí entra o papel da DPESP, que estabelece no Estado de São Paulo a possibilidade de maior efetividade no controle das políticas públicas.”

O Estudo

A fim de se aprofundar teoricamente e construir o seu projeto, Edilene foi para Portugal, e buscou conhecimentos jurídicos no Centro de Estudos Sociais (CES) na Universidade de Coimbra (UC). “Eu queria amadurecer a ideia de discutir a proposta de defensoria e de acesso à justiça para essa população, mas com maior respaldo teórico”, relata.

De acordo com a pesquisadora, o CES é uma referência nas temáticas relativas à cidadania, democracia, constituição e direito. Além da ênfase em sociologia. “O CES é reconhecidamente uma importante referência para estudos que se referem à democracia e ao direito com enfoque interdisciplinar”, conta.

Quanto à DPESP, a visão que a psicóloga teve em relação à saúde mental é a de que a instituição é um avanço no Sistema de Justiça. “Desconheço uma instituição que ilustre tão bem uma proposta democrática, no sentido de atuar na desigualdade social, mas ainda há muito trabalho pela frente”, conclui.

A tese Saúde Mental e Acesso à Justiça na Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi defendida na EERP em dezembro de 2015, com orientação da professora Carla Arena Ventura.

Mais informações: (16) 3315.3494, e-mail: edilenemb@usp.br

Por: Raquel Duarte

Edição: Rosemeire Talamone e Hérika Dias


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