Sistema político inviabiliza eleição de negros para cargos legislativos

Estudo mostra que população negra tem dificuldades para se eleger nos partidos e é marginalizada nos parlamentos

 16/08/2017 - Publicado há 7 anos
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Fachada da Assembleia 
Legislativa do Estado de São Paulo – Foto: Roberto Navarro/Alesp

Para alguém que entra numa câmara legislativa, o Brasil nem parece o que de fato é: um país complexo, composto de uma ampla população de diferentes etnias. A representatividade de indígenas, negros e mulheres no poder é bastante reduzida. A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) e a Câmara de Vereadores da capital paulista são um bom retrato desse quadro – mesmo que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de negros e indígenas no Estado seja de 37% do total. 

O pesquisador Osmar Teixeira Gaspar realizou um estudo na Faculdade de Direito (FD) da USP, em que buscou entender mais a fundo as causas desse porcentual tão baixo, especialmente dos negros, nas casas legislativas. Os resultados estão em sua tese de doutorado Direitos Políticos e Representatividade da população negra na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Câmara Municipal de São Paulo, realizada sob orientação do professor Kabengele Munanga, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Queria entender a razão da baixa participação de negros nos ciclos de poder do Brasil, não somente no Legislativo, mas também no Executivo e no Judiciário. Em função das limitações impostas tivemos que focar na Alesp e na Câmara Municipal”, conta Gaspar.

Plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – Foto: Divulgação/Alesp

.Entre as diversas razões que dificultam a entrada de negros e negras nesses espaços de poder, o pesquisador destaca a forma como os partidos políticos lançam essas candidaturas e sua amplitude. “O que acontece é que os partidos lançam candidatos negros com votos somente em determinada região, geralmente onde ele habita e tem sua vida. Seus votos não são nem perto de suficientes para elegê-los, mas aumentam o coeficiente eleitoral do partido, que assim elege outras figuras, mais tradicionais.”

Sua crítica à postura dos partidos é ainda mais contundente ao explicar que enviou um formulário para grande parte dos partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enquanto elaborava a tese e, independentemente da ideologia, nenhuma agremiação o respondeu. Ao procurar negros e negras presentes na Alesp e na Câmara dos Deputados, não conseguiu retorno de um único nome, à exceção de uma deputada, mas somente após o encerramento da pesquisa. Gaspar entende que as burocracias partidárias não queriam responder sobre o tema justamente por não possuírem políticas efetivas para eleger negros.

Foto: Divulgação / Câmara Municipal

.Além disso, o pesquisador aponta que a própria ausência de negros nessas casas acaba sendo naturalizada. Nesse processo, muitas decisões que são caras à população são tomadas sem que um representante do seu grupo social esteja envolvido na elaboração e discussão da ideia, o que Gaspar considera muito preocupante. “Muitas propostas são aprovadas sem um negro na discussão, e estas impactam diretamente na vida de milhões de negros e negras.”

Segundo ele, isso ocorre porque os atuais grupos dominantes desejam manter a situação como está para não perderem privilégios. Ele entende que a democracia brasileira “é ardilosamente operada em várias frentes para desestimular e manter os negros longe da estrutura de poder, por meio da realimentação de mecanismos de exclusão social que cooperam para as suas derrotas consecutivas ao Legislativo”.

Cerimônia de diplomação do prefeito, vice e vereadores eleitos de 2016 – Foto: Alesp

Para fazer frente a esse sério problema, o pesquisador defende ser fundamental a movimentação de toda a sociedade civil. “Não é somente tarefa do negro enfrentar o racismo no Brasil, mas da sociedade como um todo. A ausência de negros para tomarem decisões que envolvam seus pares é um ato gravíssimo, uma violência coletiva. Não podemos reduzir a população negra a uma simples camada de eleitores dos mais ricos e brancos.”
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A ausência de negros para tomarem decisões que envolvam seus pares é um ato gravíssimo, uma violência coletiva.

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A tese defende que uma das soluções viria por meio da criação de cotas dentro das casas legislativas para parlamentares negras e negros. Segundo o texto, não basta a garantia de que a população negra tenha a sua participação em pleitos garantida, mas também a efetiva participação no processo de decisão nas câmaras e assembleias, como também em outras instâncias institucionais.

“Não queremos que a população negra simplesmente possa competir para um cargo legislativo. Queremos que ela possa efetivamente exercer o poder de influenciar nas decisões dentro desses colegiados e em todas as instâncias do poder, porque não é somente no Legislativo que os negros são preteridos em função das classes dominantes, mas também no Judiciário e no Executivo. É preciso mudar essa cultura de cima para baixo”, conclui.

Mais informações: e-mail osmarteixeiragaspar@usp.br, com Osmar Teixeira

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