Rap e jazz facilitam formação cultural e engajamento na escola

Experimento realizado em escola pública de São Paulo avaliou a influência dos gêneros musicais nos jovens

 22/01/2018 - Publicado há 6 anos
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Sociólogo analisou o comportamento de seus alunos da Escola Estadual Gualter da Silva – Ilustração: Caio Vinícius Bonifácio/Jornal da USP

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Manifestações artísticas como o jazz e o rap contribuem para o engajamento estético de jovens, que também se tornam mais atuantes no cotidiano escolar. A conclusão é do sociólogo Tiago Lazzarin Ferreira, que, com base nos conceitos dos filósofos Theodor Adorno e Vilém Flusser, realizou o experimento com estudantes do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública de São Paulo.

Em sua tese de doutorado, apresentada na Faculdade de Educação (FE) da USP, Ferreira buscou estabelecer o diálogo com os seus alunos da Escola Estadual Gualter da Silva, localizada no bairro Vila Moinho Velho, na capital paulista. Os jovens levaram para a sala de aula novidades do rap, enquanto o professor apresentou o seu conhecimento sobre o jazz, fruto de estudos como baterista.

Durante o ano de 2015, Ferreira promoveu atividades que envolviam debates, audições e práticas musicais e diferentes formas de composição. O pesquisador propôs que os alunos fizessem relatos, para assim analisar os efeitos provocados pelo rap e o jazz. “Procurei perceber, no cotidiano da escola, como os alunos reelaboravam e doavam sentido para as suas ações mediante as experiências que eram sugeridas nas aulas, como isso suscitava ideias, como eles ressignificavam ou significavam a sua presença na escola a partir dessas experiências”, explica o sociólogo. O resultado apontou jovens mais participativos na vida escolar como um todo, demonstrando que os gêneros musicais contribuem para a politização das relações sociais.
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Rap, jazz e valores estéticos

Mesmo com as especificidades de suas histórias e linguagens, o jazz e o rap possuem semelhanças. O jazz nasceu em Nova Orleans e o rap, em Nova York, nos Estados Unidos. Ambos veiculam saberes ancestrais da diáspora de populações negras – denominada como Diáspora do Atlântico Negro. Os estilos contribuíram para a afirmação social dos negros, tendo a improvisação como uma de suas características em comum.

As letras contestadoras sobre a realidade de grupos marginalizados são uma das marcas do rap. Através dele, jovens, negros e moradores da periferia passaram a ter as suas histórias narradas. O gênero ganhou forte impacto no Brasil nos anos de 1990, com grupos como os Racionais Mc’s. O rap nacional, reconhecido pela sua politização, tem comumente o seu valor estético subestimado. Ferreira busca se opor a essa ideia para mostrar o quanto o rap também deve ser valorizado enquanto arte. “Abordo como o rap possui elementos formais bastante elaborados”, afirma.

Os estudantes que participaram do experimento são, em sua maioria, moradores do bairro Heliópolis, onde há altos índices de violência. Eles declararam que os testemunhos de MC’s (mestre de cerimônias) são representativos através de seus relatos sobre a luta diária pela sobrevivência.

Por outro lado, o jazz serve como uma marca de distinção no Brasil. O pesquisador revela que “alguns grupos economicamente privilegiados se orgulham de conhecer o gênero”. O jazz tem reconhecimento em universidades e conservatórios de música e sua prática não é tão acessível devido ao preço de um bom instrumento, pontua Ferreira.  Ao contrário do rap, em que o MC e o DJ (disk jóquei) podem utilizar o que têm em mãos para as suas produções.

Os alunos se mostraram mais resistentes ao jazz. Ao se depararem com as músicas apresentadas por Ferreira, alguns estranharam a falta de letras e se incomodaram com o som. “Outros estudantes tiveram disposição de ouvir”, conta o sociólogo. “O jazz, assim como o rap, demanda mediações. Não adianta somente colocar na sala de aula. Isso seria extremamente violento de minha parte.”

O jazz, assim como o rap, demanda mediações. Não adianta somente colocar na sala de aula. Isso seria extremamente violento de minha parte.”

Ainda que tenha ocorrido uma resistência inicial, o professor concluiu que a improvisação presente no jazz, baseada em um diálogo aberto para o novo, também contribuiu para o engajamento de estudantes.

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Os estudantes se mostraram mais resistentes ao jazz, mas o gênero musical também contribuiu para o engajamento estético dos jovens – Ilustração: Caio Vinícius Bonifácio/Jornal da USP


Formação cultural e engajamento estético

O conceito de formação cultural é oriundo da filosofia alemã e foi pensado por diversos autores, desde Hegel a Kant. A proposta visa à emancipação de sujeitos a partir dessa formação. Para Adorno, na sociedade capitalista a formação é inconclusa – por isso, chamada de semiformação – pois não cumpre os ideais do esclarecimento.

Em sua tese, o sociólogo buscou compreender se a formação cultural em torno de atividades educativas de jazz e rap promoveria o engajamento estético. Este último, um conceito associado ao filósofo Vilém Flusser. Segundo o teórico, a partir de um gesto artístico é possível interferir na realidade. Dessa forma, seriam criados vínculos entre as pessoas, em uma sociedade marcada por relações superficiais – denominada por Flusser como pós-histórica.

O doutor em Educação pela USP acredita que o resultado do trabalho indica uma possibilidade para as atividades feitas em aulas de sociologia, mas ressalva: “A pesquisa é muito mais em um nível epistemológico do que normativo, ou seja, o objetivo não é tentar propor ou impor determinados currículos ou matérias na grade escolar”.

A tese Rap e jazz na escola pública: um estudo sobre a formação cultural e o engajamento estético de jovens do ensino médio foi defendida na Faculdade de Educação (FE) da USP, sob orientação da professora Monica Guimaraes Teixeira do Amaral.

Mais informações: e-mail tiago.lazzarin.ferreira@usp.br


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