Fotografia amadora revela transformações do Rio da “Belle Époque”

Resgatadas de acervo particular, as imagens mostram um RJ que tentava imitar modelos estéticos parisienses na virada do século 19

 08/02/2018 - Publicado há 6 anos
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Capa do livro Lentes da Memória: a descoberta da fotografia de Alberto de Sampaio, 1888-1930, publicado em 2016 pela editora Bazar do Tempo. Em 2017, foi vencedor do Prêmio Jabuti – Foto: Reprodução

Fotografias produzidas por um fotógrafo amador retratam mudanças urbanísticas ocorridas no Rio de Janeiro, na virada do século 19. As imagens, guardadas por mais de um século, foram resgatadas pela historiadora Adriana Martins Pereira, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e revelam o Rio de Janeiro, então capital brasileira, que começava a se modernizar buscando inspiração no movimento cultural cosmopolita francês, a Belle Époque.

Além da tese produzida na USP, o trabalho teve outros desdobramentos: foi tema de exposição no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, e no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, e livro vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Arquitetura, Artes e Fotografia, em terceiro lugar.

Entusiasta das artes, Alberto de Sampaio, o autor dos registros fotográficos, era advogado e pertencente à elite da cidade serrana de Petrópolis. Tinha como hobbies a poesia, a pintura e a fotografia, paixões que cultivou até bem próximo de seu falecimento, em 1931. O acervo, subdividido em três eixos temáticos – Natureza, Espaço Doméstico e Cidade – é composto de cerca de mil imagens que mostram momentos de celebrações festivas, relações domésticas, incluindo membros da família, amigos e empregados, praias cariocas ainda desertas, arquitetura de prédios e igrejas, e ruas por onde circulavam os primeiros automóveis na capital fluminense.

A fotografia como fonte de informação

A proposta da pesquisa foi investigar a fotografia, que na época tinha o status de expressão artística refinada, como fonte de informação, objeto de estudo e parte integrante da transformação cultural brasileira. Segundo Adriana, somente em 1914 o formato alcançou maior popularidade, quando começaram a surgir as primeiras fotografias impressas publicadas nas páginas das revistas ilustradas cariocas. Nessa mesma época, outros fotógrafos também eram contratados pela prefeitura para registrar os feitos políticos. Datam deste período as principais mudanças urbanísticas da cidade, na gestão do prefeito Pereira Passos.

Inspirados na Belle Époque europeia, os gestores empreenderam muitas reformas na cidade: alargamento de ruas e avenidas, elevação de imponentes construções – Teatro Municipal e Hotel Copacabana Palace -, criação dos bairros de Copacabana, Glória, Catete e Botafogo, além do surgimento de um dos mais importantes cartões-postais: o teleférico do Pão de Açúcar – Foto: Arquivo pessoal

Das principais transformações que ocorreram no período da Belle Époque e que ainda refletem o Rio como é hoje, constam: o maior crescimento populacional da história do Rio de Janeiro (de 266 mil para 730 mil habitantes entre 1872 e 1904); reformas estruturais como o alargamento de ruas e o surgimento de outras como a Avenida Central; a criação de bairros de classe média carioca (Copacabana, Glória, Catete e Botafogo) e a elevação de imponentes construções inspiradas na arquitetura europeia – o Teatro Municipal, o Hotel Copacabana Palace, dentre outros. Também data deste período o nascimento de um dos mais importantes cartões-postais da cidade, o teleférico do Pão de Açúcar. Todas as reformas geridas pelo prefeito Pereira Passos foram inspiradas na gestão de Haussmann (prefeito do Sena/Paris), que queria ver o Rio de Janeiro com ares de cidade moderna e cosmopolita.

Segundo a pesquisadora, pelas lentes do fotógrafo Alberto de Sampaio foi possível perceber as contradições da “modernização da cidade e daqueles que, embora vivessem no Rio ou em Petrópolis, tentassem seguir tendências intelectuais, urbanísticas e artísticas da Europa”, relata. Jornais da época (Tribuna de Petrópolis, GazetaMercantil) reforçavam esta ideia: Petrópolis era conhecida por ser uma cidade de veraneio da corte imperial e lugar de “realização possível da fantasia europeizante”, descreve um dos textos publicados em um diário.

Resgatar o acervo de Alberto de Sampaio “é dar outro ponto de vista para um período histórico importante do País nos primeiros anos do século 20”, diz Adriana Pereira. Significa ainda uma reflexão sobre a fotografia da atualidade, que se difunde cada vez mais por meio de aparelhos celulares e redes sociais. Em 1903, uma propaganda de uma revista francesa previa que no futuro “todo mundo iria ser fotógrafo”, conta ela.

A tese A cultura amadora na virada do século XIX: a fotografia de Alberto de Sampaio foi defendida no Departamento de História da FFLCH, sob orientação do professor Ulpiano Toledo Bezerra de Menezes. O livro Lentes da Memória: a descoberta da fotografia de Alberto de Sampaio, 1888-1930 se encontra à venda nas livrarias.

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Mais informações: e-mail amariamartins@uol.com.br, com Adriana Martins Pereira

 


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