Matemática explica defeitos encontrados em um tipo de cristal líquido

Analogia com a teoria da relatividade, de Einstein, pode ser a chave para entender os cristais líquidos esméticos

 27/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 29/06/2016 as 14:17
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O cristal líquido é um estado em que a matéria se encontra numa fase intermediária entre o líquido e o sólido. Nela, em geral as moléculas têm formato alongado, como bastões, e se comportam de diferentes maneiras de acordo com a temperatura, podendo se apresentar em formas variadas, tais como a colestérica, a nemática, e a esmética (veja na figura abaixo). Nessa última, as moléculas se arranjam em camadas, mas podem ocorrer defeitos nessa organização.

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Pesquisa realizada pelo físico Danilo Liarte propõe a utilização de equações matemáticas para explicar os defeitos encontrados na organização das moléculas na fase esmética dos cristais líquidos.

No cristal líquido esmético – que significa sabão, em grego – os bastões formam camadas bidimensionais, como se fossem pilhas de papel. “Dentro de cada camada, existem várias dessas moléculas. Elas se movem livremente dentro das camadas e, no caso que estudamos, ficam dispostas de modo perpendicular, formando um ângulo de quase 90 graus em relação à superfície”, explica o físico, que atualmente é pós-doutorando da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos.

Os defeitos que podem ocorrer na disposição das camadas são chamados de domínio de cônicas focais. O trabalho teve o objetivo de  buscar respostas sobre como esses defeitos se organizam nas camadas. “Podemos usar como exemplo uma pilha de papel: se dobrarmos uma folha, podemos provocar uma deformação no conjunto de camadas ou podemos observar também regiões que formam espécies de quinas”, explica Liarte.

De acordo com o físico, existem algumas regras geométricas que precisam ser obedecidas para explicar como isso ocorre, pois em várias regiões não é possível compreender como exatamente as cônicas focais estão dispostas e como o espaço é preenchido. “Isso já vem sendo estudado há bastante tempo por vários grupos de pesquisa. O objetivo do nosso trabalho foi entender e descrever como ocorre esse preenchimento do volume do cristal líquido esmético com camadas igualmente espaçadas”, conta.

Matéria em transição

Simulação de um cristal líquido esmético. Quando observada com um microscópio, esta forma produz padrões de cônicas focais (defeitos na organização), tais como elipses, hipérboles e parábolas – Foto: Divulgação

O pesquisador se valeu de uma teoria utilizada em outro ramo da Física e da Engenharia para descrever esse agrupamento das cônicas focais nos cristais líquidos esméticos. “Nós adaptamos uma teoria que descreve as martensitas, que é um estado [fase] de transição da matéria encontrada, por exemplo, durante a fabricação do aço.”

Mas para descrever os defeitos em esméticos foi preciso realizar uma adaptação e utilizar ferramentas encontradas nas transformações de Lorentz, um conjunto de equações criadas pelo físico holandês Hendrik Lorentz (1853 – 1928). Utilizadas posteriormente pelo físico alemão Albert Einstein (1879 – 1955), essas equações fazem parte da Teoria da Relatividade Especial, publicada em 1905.

Apesar de integralmente teórico,  estudos como esse trazem embasamento para a realização de experimentos práticos na área de Física de Materiais. “Nossas descobertas vão permitir aplicar essas teorias nas simulações que desenvolvemos. Outra ideia é que, por meio de tecnologias de bastante interesse atual, como os microscópios confocais, será possível aplicar esses resultados a partir do contato direto com o experimento”, finaliza o pesquisador.

Um artigo sobre o tema – Weirdest martensite: smectic liquid crystal microstructure and Weyl-Poincaré invariance – foi publicado na edição de abril da revista Physical Review Letters.

Danilo Liarte possui graduação em Física pela Universidade Federal do Piauí, e mestrado, doutorado e pós-doutoramento pela USP. Parte dos resultados desta pesquisa foram obtidos em laboratórios do Instituto de Física (IF) da USP.

Também participaram do projeto os pesquisadores Matthew Bierbaum (Universidade de Cornell, EUA), Ricardo A. Mosna (Universidade Estadual de Campinas); Randall D. Kamien (Universidade da Pensilvânia, EUA), e James P. Sethna (Universidade de Cornell, EUA).

Mais informações: email liarted@gmail.com


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