Cientistas descrevem fóssil de lagarto que viveu há cerca de 23 milhões de anos

Descrição de fóssil encontrado na região da Patagônia argentina traz conhecimentos que poderão ajudar em estudos sobre as mudanças climáticas e sua relação com as espécies de animais similares

 20/10/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 20/02/2018 as 13:39
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Fóssil de lagarto e crocodilo do acervo do museu de Zoologia - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Fósseis de lagarto e crocodilo do acervo do Museu de Zoologia – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Um fóssil que viveu há cerca de 23 milhões de anos acaba de ser descrito por cientistas do Museu de Zoologia da USP (MZ) da USP. Ele ainda não tem nome, mas já se pode afirmar que foi uma espécie de lagarto que, quando em vida, provavelmente teve entre 50 e 60 cm de comprimento. Tais constatações foram feitas após estudos minuciosos no fóssil, que está na coleção do Museu Patagónico de Ciencias Naturales de General Roca, localizado na província de Río Negro, na Argentina. A descrição foi realizada pela bióloga Ana Bottallo de Aguiar Quadros, em sua pesquisa de mestrado desenvolvida no MZ da USP.

A descrição não foi um trabalho simples, já que do animal preservou-se apenas parte do crânio. O tamanho estimado levou em conta a dimensão da cabeça do animal, que tem cerca de 5 cm, e a comparação com lagartos similares que ainda existem hoje. Depois de algumas viagens à Argentina, Ana chegou a algumas conclusões sobre a espécie revelada. Uma delas é que ele pertence à família Teiidae e é mais relacionado ao gênero Callopistes. Na família Teiidae existem cerca de 40 gêneros reunindo animais como o chamado lagarto teiú (Tupinambis) e até mesmo o calango-verde, conhecido no nordeste do País (Ameiva).

Ana Quadros: imagens 3D do crânio do animal foram reproduzidas por técnicas de tomografia computadorizada – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Para se chegar a tais conclusões foi necessário um trabalho paciente de comparações feitas com coleções do próprio MZ da USP. Além disso, a bióloga se utilizou de imagens do crânio do animal que foram reproduzidas por meio de uma técnica de tomografia computadorizada que reconstitui imagens em 3D. “Assim pudemos verificar algumas características que o identificam como pertencente ao gênero Callopistes”, explica Ana. Um exemplo disso é que ele possuía dentes no palato (céu da boca), o que é comum às espécies pertencentes a este gênero (Callopistes), mas não é observado em todas as espécies da família Teiidae.

 

Animais da família Teiidae habitam as Américas desde a Patagônia, na Argentina, até o sul da Califórnia, nos Estados Unidos e México. “Mas a maior parte deles está concentrada no Brasil, embora o gênero Callopistes não exista em nosso País”, diz. Segundo ela, é uma espécie andina que é popularmente chamada de teiú-anão e que vive em desertos de altitude andinos, entre a cordilheira e o Oceano Pacífico. “Nossa hipótese, no entanto, é que o fóssil recentemente descrito tenha habitado toda a região da Patagônia, na Argentina, há cerca de 23 milhões de anos, durante o período Mioceno Inferior. Isso pode ainda ser comprovado pela descoberta, na década de 1970, de uma outra espécie fóssil do mesmo gênero no sul da província de Buenos Aires, na costa Atlântica, bem distante de onde é a área de distribuição atual do gênero andino”, descreve a bióloga.

Lagarto teiú pertencente à família Teiidae, que é a mesma do lagarto cujo fóssil foi recentemente identificado – Foto: Bjørn Christian Tørrissen/Wikimedia Commons

Mas, e o nome?

Até o momento, os cientistas descrevem o fóssil apenas com um código (MPCN PV-002). Ana explica que ele somente poderá ser batizado após a veiculação do artigo em uma revista científica internacional. E isso já está sendo providenciado. “Trata-se de uma exigência acadêmica que temos de respeitar”, explica.

Ana começou a estudar o fóssil em 2013, por sugestão de seu orientador, o professor Hussam Zaher, do Laboratório de Herpetologia e Paleontologia do MZ. Depois de idas e vindas à Argentina e comparações minuciosas, a bióloga apresentou ao MZ a dissertação Descrição morfológica e posicionamento filogenético de um lagarto (Reptilia, Squamata) do Mioceno Inferior da Formação Chichínales, General Roca, Província de Rio Negro, Argentina.

Mas por que estudar um fóssil de um animal que viveu há 23 milhões de anos atrás? A bióloga justifica:

Nosso estudo traz conhecimentos que ajudarão a melhor entender a evolução da espécie, não apenas deste fóssil, mas para outros tipos de animais semelhantes.”

Segundo ela, a pesquisa poderá servir de base até mesmo para ações que visem a preservar espécies atuais e futuras. “Sabemos, por exemplo, que o fóssil estudado foi onívoro e carnívoro, isso devido ao formato de seus dentes.”

Fóssil de lagarto - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Fóssil da coleção argentina foi comparado a exemplares da coleção do Museu de Zoologia (MZ) da USP – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Outra hipótese levantada é em relação à extinção desta espécie. Ela pode ter sido extinta devido à competição com outra espécie. “Localizamos na região muitos fósseis de teiús do gênero Tupinambis que, atualmente, tem uma ampla distribuição”, conta. Segundo Ana, estes lagartos têm entre 1 e 1,10 metros e podem ter tido influência direta na extinção do MPCN PV-002, um animal muito menor e que provavelmente sofreu mais com os efeitos de mudanças climáticas ocorridas após o Período Mioceno-Plioceno – quando vários eventos geológicos, como o próprio soerguimento da Cordilheira dos Andes, ocorreram.

Mais informações: Ana Bottallo de Aguiar Quadros, e-mail anabottallo@hotmail.com


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