Astrônomos observam mais de cem sistemas binários de estrelas massivas

Cientistas realizaram o maior levantamento espectroscópico de sistemas binários de alta massa em galáxia satélite à Via Láctea

 27/01/2017 - Publicado há 7 anos
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Região da Grande Nuvem de Magalhães, conhecida como 30 Doradus, escolhida para a realização da pesquisa – Foto: Divulgação

Olhar para o céu e imaginar, seja lá o que for, é um exercício que o homem pratica há séculos. E novas descobertas feitas por astrônomos do Brasil e do exterior nos levarão a imaginações ainda mais distantes. Afinal, os cientistas conseguiram observar, de uma única vez, mais de 100 sistemas binários compostos de estrelas de alta massa — estrelas que possuem massa maior que oito vezes a massa do Sol — na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia satélite da Via Láctea distante 160 mil anos luz da Terra.

“Estas estrelas de alta massa fazem parte de sistemas binários, ou seja, dois corpos que giram entre si e desempenham um papel crucial na evolução do Universo”, explica o astrônomo Leonardo Almeida, pós-doutorando no Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) da USP. Sob a supervisão do professor Augusto Damineli, Almeida vem trabalhando nas observações há mais de dois anos. Essas observações foram realizadas com o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu do Sul (ESO – European Southern Observatory), um dos maiores telescópios construídos pelo homem e que está localizado no deserto do Atacama, no Chile.

Com o meu supervisor, Augusto Damineli, e meus colaboradores da Europa e dos EUA, realizamos o maior levantamento e caracterização espectroscópica de sistemas binários de alta massa já feitos até então

Almeida, que é o primeiro autor do trabalho, realizou a análise de 100 sistemas binários, observados de uma só vez, numa região conhecida como Tarântula — ou 30 Doradus — localizada na Grande Nuvem de Magalhães (veja imagem abaixo). O projeto foi então denominado Monitoramento de Binárias Massivas na Tarântula (TMBM — na sigla em inglês — PI: Hugues Sana). Os resultados das observações acabam de ser publicados em edição da revista internacional Astronomy & Astrophysics.

Esta verdadeira “proeza” realizada pela equipe de astrônomos resultará, no futuro, em outras descobertas importantes que servirão de base para esclarecer importantes pontos ainda obscuros sobre a evolução do Universo. “Conhecer as distribuições dos parâmetros orbitais destes sistemas é extremamente importante para uma ampla gama de tópicos em Astrofísica, desde a realimentação estelar promovendo a evolução química do universo até a distribuição dos tipos de supernova e de sistemas compostos por buracos negros que são progenitores de ondas gravitacionais”, ressalta Almeida. Todo o projeto, que envolve cerca de 20 cientistas, começou a ser preparado em 2011. Antes, sistemas binários somente eram observados isoladamente e a maioria deles na nossa galáxia. “Era um processo lento que gastava muito tempo de telescópio”, lembra.

O Espectrógrafo

Leonardo Andrade de Almeida – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As observações dos 100 sistemas binários permitiram a caracterização completa de 82 deles na região de 30 Doradus. E isso foi possível, como conta o astrônomo, com o acompanhamento ao longo de dois anos com o espectrógrafo GIRAFFE/FLAMES acoplado ao VLT. Esse equipamento permite obter mais de 100 espectros em uma única observação. O espectro é uma medida da luz (nesse caso de uma estrela) onde é possível separar suas cores. “Um exemplo bem simples é o espectro do nosso Sol observado pelo evento conhecido como arco-íris”, compara Almeida.

“Com o meu supervisor, Augusto Damineli, e meus colaboradores da Europa e dos EUA, realizamos o maior levantamento e caracterização espectroscópica de sistemas binários de alta massa já realizados, até então”, comemora, ressaltando que “esse levantamento dobra tudo o que conhecemos sobre as órbitas de sistemas binários de alta massa”.

Com os espectros desses sistemas, além de medir suas cores e, portanto, sua composição química e temperatura, foi possível medir o parâmetro mais importante no trabalho, a velocidade radial — que é a medida da aproximação e afastamento das estrelas com relação ao observador aqui na Terra — dos dois objetos que compõe o sistema binário.

Sistemas binários

Segundo o astrônomo, as estrelas de alta massa possuem luminosidades elevadas e irradiam bastante energia em frequências bem altas, conhecida com radiação ultravioleta, o que foi extremamente importante para a reionização do Universo que começou a ocorrer quando ele era ainda muito jovem, com aproximadamente 300 milhões anos (a idade atual do Universo é de aproximadamente 14 bilhões de anos). Nessa época, as primeiras estrelas foram formadas, e com sua irradiação foi possível ionizar os átomos neutros de hidrogênio gerados na era da recombinação do Universo, quando este tinha apenas 380 mil anos. Outro fator destacado pelo cientista é a metalicidade das estrelas. “No início do Universo, a metalicidade das estrelas era baixa. Com a evolução, elas foram adquirindo mais metais em sua composição”, conta.

Segundo Almeida, a Grande Nuvem de Magalhães representa uma fase do Universo anterior à nossa Via Láctea, numa época em que havia a maior taxa de formação de estrelas de alta massa. “A metalicidade daquelas estrelas é metade da metalicidade solar” aponta o cientista.

Os sistemas binários de alta massa são compostos por duas estrelas massivas que, na maioria das vezes, podem estar tão próximas que poderá haver a troca de matéria, como o caso de VFTS 352 (veja figura abaixo), estudado por Almeida e colaboradores e publicado em 2015. Isso ocorrerá em cerca de 75% dos casos. Desses 75%, em aproximadamente 25% elas acabam se fundindo.

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Concepção artística do sistema binário de alta massa, VFTS 352, mais quente e massivo em overcontato conhecido até então

A comparação dos parâmetros orbitais das binárias da Grande Nuvem de Magalhães, descrita nesse trabalho, com sistemas binários da nossa Galáxia — referente a outros trabalhos publicados — mostram uma relativa universalidade da incidência desses sistemas. Segundo Almeida, esse trabalho servirá de base para que sejam feitas simulações mais realistas sobre a formação e evolução de sistemas binários de alta massa. “Tais objetos, em alguns casos, serão responsáveis pela formação de buracos negros binários, que quando entram em rota de colapso geram tsunamis de ondas gravitacionais”, descreve Almeida.

Mais informações: (12) 98151-6270; e-mail leonardodealmeida.andrade@gmail.com


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