Astrônomos constatam morte precoce de objeto celeste na Via Láctea

Morte prematura do objeto que compõe um sistema binário ocorreu após um “abraço fatal” entre os corpos

 25/08/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 28/08/2017 as 16:16
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Sistema binário atual com uma anã branca e uma anã marrom – Foto: Cedida pelo astrofísico Leonardo Almeida

Com observações ao longo de oito anos, entre 2005 e 2013, astrônomos puderam analisar e descrever um sistema binário que pode ser considerado raro em nossa Via Láctea. No sistema, que é composto de uma anã branca de baixa massa e uma anã marrom, os cientistas mostraram como ocorreu a morte de uma delas, a anã branca. “Até então se conhecia apenas algumas dezenas de sistemas semelhantes a este”, assegura o astrofísico Leonardo Almeida, pós-doutor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. “No entanto, este sistema se destaca por ser de baixíssima massa”, argumenta. As observações foram realizadas no Observatório do Pico dos Dias, em Brazópolis, Minas Gerais, e um artigo sobre o tema acaba de ser aceito para publicação na revista Monthly Notice of the Royal Astronomical Society.

De acordo com o cientista, a morte de um dos objetos celestes resultou de um “abraço” entre ambos. “Foi quando a anã branca teve sua morte provocada pela anã marrom. Podemos considerar que foi, na verdade, um abraço fatal”, descreve Almeida. O objeto ‘assassino’, a anã marrom, é na verdade um objeto subestelar ou ‘estrela frustrada’, já que não produz luz própria por não chegar a queimar hidrogênio no seu núcleo”, descreve o cientista.

Astrofísico Leonardo Andrade de Almeida descreve como é a morte de um objeto celeste – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A história deste “abraço mortal” teve início com a componente primária do sistema – antes uma estrela normal, agora anã branca – evoluindo mais rapidamente por ser mais massiva que a companheira – atual anã marrom. “Ao evoluir para o ramo das gigantes vermelhas, o objeto primário pode atingir um raio maior que a distância Terra–Sol (150 milhões de km) e, ao longo desse processo, ele começa a ceder matéria para o objeto secundário”, conta o astrônomo. No sistema binário, os corpos orbitam entre si e, neste caso, o período orbital inicial entre eles pode ter sido maior que um ano.

Perda do envelope e morte prematura da primária

A transferência de massa da estrela primária para a secundária ocorre de forma desenfreada e instável. Este fenômeno, que dura pouco tempo, leva a primária a “engolir” a sua companheira. “A secundária, que agora se encontra dentro do envelope da primária, passa a descrever uma trajetória na direção da sua companheira, como numa atração fatal”, compara Almeida.

Isso ocorre porque a secundária perde momento angular (grandeza física associada à rotação de um corpo), devido ao atrito com o envelope da primária. Essa energia, que precisa ser conservada, é transferida para o envelope na forma de agitação térmica ou energia cinética. Quando essa energia é maior que a força gravitacional que mantém o envelope preso ao núcleo da primária, uma grande ejeção de matéria ocorre do sistema. “Esta liberação do envelope faz então com que o objeto primário fique despido, com apenas o seu núcleo exposto.”

Ao evoluir para o ramo das gigantes vermelhas, o objeto primário começa a ceder matéria para o objeto secundário – Foto: ESO/M. Kornmesser via Wikimedia Commons / CC 4.0

O envelope é formado de hidrogênio e envolve o núcleo de hélio da primária que foi gerado ao longo da sua vida. “Uma estrela semelhante ao Sol passa a maior parte da sua vida queimando hidrogênio em hélio no seu núcleo” acrescenta o astrônomo.

“Assim, uma vez que o núcleo do objeto primário não consegue mais queimar combustível e gerar luz própria, passa a ser considerado ‘uma anã branca’ e, portanto, morta.” Na situação atual, as componentes do sistema, anã branca e anã marrom, giram ao redor do seu centro de massa com um período orbital “supercurto”, num tempo de aproximadamente 3 horas.

Os estudos não permitem ainda calcular o tempo em que os dois objetos irão se fundir. “Eles devem se fundir, mas isso pode levar bilhões de anos”, estima Almeida, lembrando que as atuais observações e constatações servirão de base para futuros estudos astronômicos sobre essa classe de objetos. “Ainda não havíamos visto na literatura sistemas dessa classe com componentes de baixíssima massa, como encontrados neste estudo”, afirma.

Evolução estelar

Os sistemas binários são extremamente importantes para o estudo da evolução estelar. Para esse sistema, os astrônomos coletaram informações usando a fotometria, técnica útil para medir o brilho das estrelas ao longo do tempo. Além disso, os cientistas obtiveram informações de espectroscopia no banco de dados públicos do telescópio William Herschel, localizado nas Ilhas Canárias. Com esses dados é possível medir a composição química das estrelas e seu movimento orbital.

Segundo Almeida, cerca de 50% das estrelas de baixa massa na Via Láctea são sistemas binários. “Entre as estrelas de alta massa, esse índice chega a quase 100%”, estima. “Por isso sistemas binários são cruciais para entendermos o ciclo de vida das estrelas”, enfatiza. Os resultados indicam que a anã branca de baixíssima massa possui cerca de 0,2 da massa solar, enquanto que a massa da anã marrom se encontra entre 36-46 massas de Júpiter, o maior planeta do sistema solar.

O estudo traz também informações importantes que poderão ser usadas em predições sobre a formação das anãs brancas de baixa massa, classe de objeto mortos que só podem ser formados dentro dos sistemas binários, considerando a idade do universo. “Nossos resultados são importantes para testarmos os modelos de evolução estelar em sistemas binários e isolados, pois esses objetos fornecem uma maneira direta de medir o principal parâmetro das estrelas, que é a sua massa”, descreve o astrônomo.

Além de Almeida, que é o principal autor, assinam o artigo os cientistas Augusto Damineli, do IAG, Cláudia V. Rodrigues e Francisco Jablonski, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e Marildo G. Pereira, do Departamento de Física da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia.

 

Mais informações: (012) 98151-6270; e-mail leonardodealmeida.andrade@gmail.com


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