
Dois cabos paralelos pendurados. Na ponta de cada um deles, uma argola. Mãos firmes as seguram e, entre vários movimentos, o ginasta deve ficar suspenso no ar, com os braços estendidos formando um ângulo reto em relação ao tronco durante, no mÃnimo, dois segundos. Este é o crucifixo (também chamado de cruz ou cristo), considerado por muitos ginastas um dos mais difÃceis de serem executados na prova de argolas da ginástica artÃstica masculina. Os ombros precisam ficar com exatos 90 graus em relação ao tronco – nem mais, nem menos – e os cabos das argolas devem permanecer o mais imóveis possÃveis, sem balançar pra frente e para trás – caso contrário pode haver perda de pontuação. E em competições internacionais um centésimo faz muita diferença.
Foi exatamente a perfeição na execução dos movimentos das argolas que levou o brasileiro Arthur Zanetti a ganhar o ouro nos Jogos de Londres, em 2012, além do Campeonato Mundial em 2013 e o vice-campeonato em 2011 e em 2014, entre outras conquistas. Mas para chegar a esse nÃvel é preciso muito treinamento.
“Durante os treinos, os ginastas costumam utilizar uma fita que é fixada sob o antebraço e também à s argolas. Ela facilita muito a execução do crucifixo pois ajuda o atleta a ficar em um ângulo mais próximo a 90 graus”, explica o pesquisador Paulo Carrara, educador fÃsico, ex-ginasta e árbitro internacional de ginástica artÃstica e ginástica de trampolim. A fita, segundo ele, é utilizada por ginastas de todo o mundo durante os treinamentos para a realização do crucifixo.

Entretanto, diz Carrara, sempre houve questionamentos se o uso da fita ajudaria apenas os atletas iniciantes e aqueles sem muita força muscular para executar o movimento, ou se beneficiaria também os de alto desempenho, como Arthur Zanetti, que executam o crucifixo com perfeição sem o uso da fita. Esses questionamentos, além da escassez de estudos especÃficos sobre esta temática, que o motivaram a pesquisar o tema em sua tese de doutorado pela Escola de Educação FÃsica e Esporte (EEFE) da USP.
Na pesquisa, ele avaliou 12 atletas da seleção brasileira masculina de ginástica artÃstica. Carrara os gravou durante a execução do crucifixo. Foram seis gravações para cada atleta, em duas condições (três com fita e três sem), totalizando 72 vÃdeos. As gravações foram realizadas na Associação de Ginástica di Thiene – AGITH, em São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo, e no Esporte Clube Pinheiros, na zona sul paulistana, locais onde ocorre o treinamento habitual desses atletas.
BenefÃcios para iniciantes e medalhistas
Foram colocados alguns sensores nos ginastas e as informações captadas foram inseridas em um computador. Após processamento das imagens e análise dos dados foi possÃvel verificar o ângulo de execução do exercÃcio nas duas condições. E os resultados mostraram que o uso da fita beneficia tanto ginastas iniciantes como os de alto desempenho.
“Até mesmo os atletas medalhistas são beneficiados pois, com a fita, eles conseguem ficar em uma posição mais próxima de 90 graus do que sem ela, mesmo que seja imperceptÃvel para quem está olhando. Ou então para diminuir a carga de treino ou se está com alguma restrição musculoesquelética, ele pode usar a fita para treinar o movimento certo com mais facilidade”, explica.
Quanto aos iniciantes, o acessório ajuda na coordenação muscular e na correção da posição do ombro em relação ao tronco. Nem sempre eles têm força suficiente para, durante dois segundos, manter os ombros em 90 graus em relação ao tronco. “Ele vai treinar com a fita várias vezes para adquirir uma maior condição fÃsica e, um dia, executar o crucifixo sem uso dela. Então é preferÃvel ele treinar de forma a adquirir a percepção da posição correta do que treinar na posição errada”, destaca.
Modelo de execução
Carrara é o primeiro autor de um artigo sobre os resultados da pesquisa publicado recentemente na Revista Brasileira de Educação FÃsica e Esporte. O foco foi a biomecânica do exercÃcio crucifixo executado pelo ginasta Arthur Zanetti. “O objetivo foi obter um modelo descritivo desta habilidade executado por um campeão olÃmpico. Esse artigo fornece bases para os técnicos treinarem outros ginastas”, finaliza.
A pesquisa foi defendida em setembro de 2015, na EEFE, sob orientação do professor Luis Mochizuki, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. O doutorado foi realizado na modalidade sanduÃche na Cardiff University, no PaÃs de Gales, sob a coorientação do professor Gareth Irwin.
Mais informações: email paulocarrara@usp.br, com Paulo Carrara