Kit para diagnóstico aprimora o tratamento da artrite reumatoide

Expressão de enzima indica chance de resistência a terapia contra inflamação nas articulações do corpo

 06/10/2017 - Publicado há 7 anos     Atualizado: 24/04/2018 as 10:58
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Inflamação provoca inchaço e dor, podendo levar à erosão dos ossos e deformidades nas articulações do corpo – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP desenvolveu um kit diagnóstico que aperfeiçoa o tratamento da artrite reumatoide. O estudo do biomédico Raphael Sanches Peres mostra que os baixos níveis de uma enzima em células de defesa do organismo reduzem as chances de deter a inflamação, prejudicando a resposta à terapia contra a doença. Usando a enzima como biomarcador, o teste feito com o kit permitirá aos médicos escolher o tratamento mais indicado para a artrite. A pesquisa é uma das ganhadoras do Prêmio Tese Destaque USP 2017.

A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crônica que afeta as articulações do corpo, provocando inchaço e dor, podendo ainda levar à erosão dos ossos e deformidades nas articulações. Por ser uma doença autoimune, o sistema imunológico ataca por engano os tecidos saudáveis. “Na artrite reumatoide, há um comprometimento das funções de células T reguladoras (Tregs), que tornam-se incapazes de controlar a inflamação”, diz Peres. “Certamente esse é um dos fatores cruciais para o surgimento da doença, e por isso a manipulação de células Tregs tem sido apontada como um possível caminho para novos tratamentos.”

O metotrexato é hoje a terapia mais indicada para o tratamento da artrite reumatoide, em especial para pacientes recém-diagnosticados. “O fármaco aumenta os níveis de adenosina, que é um potente agente anti-inflamatório quando atua em seus receptores presentes na superfície das células inflamatórias”, descreve o biomédico. “A interação ativa uma via supressora nessas células, controlando o processo inflamatório e detendo a doença. No entanto, cerca de 40% dos pacientes não respondem ao tratamento, o que obriga a adoção de outras terapias, mais caras que o metotrexato.”

O pesquisador aponta que o objetivo do trabalho foi desvendar os mecanismos imunológicos e moleculares associados com a falha terapêutica do metotrexato em pacientes com artrite reumatoide. “Para isso, foi realizado um estudo prospectivo em pacientes artríticos, o que depois permitiu identificar possíveis biomarcadores capazes de prever a eficácia terapêutica do metotrexato nestes pacientes”, destaca.

Cerca de 40% dos pacientes não respondem à terapia mais comum para atrite reumatoide; estudo identificou marcador para facilitar escolha do tratamento – Foto: St Bartholomew’s Hospital Archives & Museum via Wikimedia Commons

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Resistência

A superfície das células Tregs apresenta uma alta expressão da enzima CD39, que atua na formação de adenosina. “O estudo demonstrou que o nível de expressão desta enzima em células circulantes de pacientes com artrite reumatoide é um biomarcador capaz de prever a capacidade do paciente em responder ao tratamento com metotrexato”, diz o biomédico. “Pacientes resistentes ao tratamento expressam significativamente menos moléculas de CD39 nas suas células Tregs do que aqueles que respondem à terapia, mesmo antes do início do tratamento.”

O trabalho também demonstrou a via de sinalização celular mediada pela citocina TGF-β que leva à indução da expressão da enzima CD39, e uma mutação no gene que expressa um tipo de receptor de TGF-β que compromete a ativação da via de sinalização em pacientes que não respondem ao tratamento, afetando consequentemente a expressão de CD39. “O uso da CD39 em células Tregs como biomarcador da eficácia terapêutica do metrotrexato pode trazer grandes benefícios para a qualidade de vida dos pacientes, evitando uma exposição desnecessária do paciente ao fármaco, e para otimizar a escolha das terapias disponíveis, ocasionando uma diminuição considerável dos custos com medicamentos e serviços hospitalares oferecidos durante o tratamento”, afirma Peres.

Biomédico Raphael Sanches Peres desenvolveu teste para pacientes com artrite reumatoide – Foto: Divulgação

O estudo propõe que pacientes recém-diagnosticados com artrite reumatoide e não submetidos a nenhum tratamento façam um teste laboratorial em centros médicos de referência, com o kit desenvolvido na pesquisa (composto de anticorpos conjugados a substâncias que emitem cores quando estimuladas por laser e soluções para marcação das células dos pacientes), com o intuito de determinar o grau de expressão de CD39 em células Tregs. “Pacientes que apresentarem uma expressão reduzida de CD39 em células Tregs seriam indicados a outras terapias disponíveis, como a administração de agentes biológicos, evitando gastos com tratamentos ineficazes”, ressalta o biomédico. “O kit já foi patenteado e espera-se que nos próximos anos possa estar disponível na prática clínica, acessível a toda a população.”

A pesquisa é descrita na tese de doutorado de Peres, A sinalização de TGF-β envolvida na expressão de CD39 em células T reguladoras está associada com a eficácia terapêutica do metotrexato na artrite reumatoide, que recebeu o Prêmio Tese Destaque USP 2017 na área de Ciências Biológicas. O estudo foi orientado pelo professor Fernando de Queiroz Cunha, do Departamento de Farmacologia, e teve co-orientação do professor Paulo Louzada-Júnior, do Departamento de Clínica Médica da FMRP. A pesquisa teve ainda colaboração da Universidade de Glasgow (Reino Unido), por meio do grupo liderado pelo professor Foo Liew. O trabalho contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), através do Cepid Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID) e da concessão de bolsa de doutorado.
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Arte: Caio Vinícius Bonifácio/Jornal USP

Mais informações: e-mail raphael.sanchesperes@kennedy.ox.ac.uk, com Raphael Sanches Peres

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Pesquisas premiadas no Tese Destaque USP 2017

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