Estudo mostra como a restrição calórica pode proteger o cérebro

Os experimentos foram realizados por cientistas do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão Redoxoma, que está sediado no Instituto de Química (IQ) da USP

 19/09/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 24/04/2018 as 13:07
Foto: Lachlan Hardy via Visual Hunt
Cientistas desvendam um mecanismo molecular pelo qual a restrição calórica favorece a capacidade de retenção de cálcio mitocondrial no cérebro – Foto: Lachlan Hardy via Visual Hunt

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Os efeitos da dieta de restrição calórica no aumento da longevidade e na prevenção de doenças associadas ao envelhecimento são conhecidos há décadas. No entanto, os mecanismos moleculares responsáveis por esses efeitos ainda não foram esclarecidos. Agora, pesquisadores do Centro de Pesquisa de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma) descobriram um mecanismo pelo qual a restrição calórica favorece a capacidade de retenção de cálcio mitocondrial no cérebro, resultando em proteção contra danos excitotóxicos, que estão relacionados à perda de neurônios em patologias como acidente vascular encefálico, Parkinson e Alzheimer. O Cepid Redoxoma é uma rede envolvendo 24 pesquisadores do Estado de São Paulo e vários colaboradores, incluindo pesquisadores internacionais, que está sediada no Instituto de Química (IQ) da USP e conta com outras 19 instituições associadas. A rede é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) através do programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

“O fato de termos delimitado um mecanismo de ação da restrição calórica pode permitir o desenvolvimento de drogas para aumentar a captação de cálcio nas mitocôndrias de forma independente da dieta. Descobrindo como proteger o cérebro da excitotoxicidade, podemos agir contra vários tipos de patologias associadas a ela”, afirma Ignacio Amigo, primeiro autor do artigo que foi publicado na revista Aging Cell.

O estudo foi o projeto de pós-doutorado de Amigo, sob a supervisão da professora Alicia Kowaltowski, do Instituto de Química (IQ) da USP e do Cepid Redoxoma. A restrição calórica e seus efeitos metabólicos e de sinalização têm sido foco de muitos estudos do grupo da professora Alicia, com o objetivo de compreender como essa dieta previne doenças associadas ao envelhecimento.

Em experimentos realizados in vivo e in vitro, os pesquisadores constataram que a restrição calórica é uma intervenção altamente eficaz para prevenir a morte celular neuronal excitotóxica, porque aumenta a atividade da cadeia mitocondrial de transporte de elétrons, eleva as defesas antioxidantes e favorece a captação de cálcio pelas mitocôndrias cerebrais.

Mecanismo

A excitotoxidade é definida como a habilidade de neurotransmissores excitatórios, principalmente o glutamato, de mediar a morte de neurônios do sistema nervoso central. Ela se caracteriza pela ativação excessiva dos receptores de glutamato (NMDA). Em determinadas patologias, há uma liberação muito grande de glutamato no espaço extracelular, provocando a entrada de íons de cálcio nas células, resultando em danos e eventual morte de células neuronais. A excitotoxicidade está associada a doenças neurológicas e neurodegenerativas.

Como as mitocôndrias têm a capacidade de captar o cálcio e deixá-lo em estado inativo, elas exercem um papel crucial na excitotoxicidade. A morte celular ocorre quando a capacidade tamponante das mitocôndrias é suplantada.

Foto: Wellcome Images via Visual Hunt
Experimentos constatam que a restrição calórica é eficaz na prevenção da morte neuronal excitotóxica – Foto: Wellcome Images via Visual Hunt

Para investigar os efeitos neuroprotetores da restrição calórica contra danos excitotóxicos, os pesquisadores inicialmente trabalharam com camundongos Swiss, que foram separados em dois grupos: um mantido em regime de restrição calórica de 40%, por 14 semanas, e outro alimentado ad libitum (sem restrição de quantidade). Os animais receberam injeções de ácido kaínico, uma molécula análoga ao glutamato, que provoca convulsões, dano e morte de células neuronais. Sua ação se deve à superativação dos receptores de glutamato no hipotálamo, sendo um modelo muito usado em excitotoxicidade. Os camundongos mantidos em restrição calórica não tiveram convulsões, comprovando, in vivo, os efeitos da dieta.

Em seguida, o grupo fez experimentos com mitocôndrias isoladas dos cérebros de ratos Sprague Dawley, também separados em um grupo mantido em restrição calórica e outro alimentado ad libitum. Nas mitocôndrias dos animais do primeiro grupo, os pesquisadores viram níveis maiores de algumas enzimas antioxidantes, como glutationa peroxidase e glutationa redutase, e aumento da atividade da enzima superóxido dismutase (SOD). Esses resultados indicam um aumento da capacidade redox do cérebro de animais em restrição calórica, preparando o órgão para situações de dano oxidativo, como acontece no caso da excitotoxicidade. Também foi detectado um aumento do nível de algumas proteínas mitocondriais e da atividade da cadeia de transporte de elétrons.

Mas, segundo Amigo, os resultados mais interessantes foram obtidos com os experimentos de captação de cálcio.

Para avaliar a captação de cálcio, os pesquisadores foram adicionando quantidades baixas de cálcio às mitocôndrias isoladas dos ratos. Comparando as mitocôndrias dos dois grupos, foi possível monitorar quanto cálcio era captado em cada caso. “Constatamos que a captação é maior nas mitocôndrias dos animais mantidos em restrição calórica, e isso é uma novidade, não havia sido visto antes”, conta Amigo.

Investigando o fenômeno mais a fundo, os pesquisadores usaram a ciclosporina, droga que provoca o aumento da captação de cálcio nas mitocôndrias por inibir uma proteína mitocondrial chamada ciclofilina D. Ao examinar as mitocôndrias, descobriram que a droga só tinha efeito nos animais alimentados ad libitum, como se a ciclofilina D já estivesse inibida nos animais em restrição calórica. Os níveis da proteína, no entanto, eram os mesmos nos dois grupos.

Arte: Felipe Fontoura, baseado em imagem de Mariana Ruiz/Wikimedia Commons
Arte: Felipe Fontoura, baseado em imagem de Mariana Ruiz/Wikimedia Commons

“Várias modificações pós-traducionais alteram a atividade da ciclofilina D. Uma dessas modificações é a acetilação. Quando a proteína está desacetilada, ela é inibida”, descreve o pesquisador.

E aí entra uma outra família de proteínas chamada de sirtuínas, dentre as quais existe uma mitocondrial, codificada pelo gene SIRT3, que tem a expressão aumentada com a restrição calórica. E o que a sirtuína faz é justamente desacetilar a ciclofilina D.

Sabendo disso, os pesquisadores examinaram as mitocôndrias dos cérebros dos animais e viram que o nível de sirtuína estava aumentado e que a ciclofilina D tinha níveis menores de acetilação naqueles mantidos em restrição calórica.

“Quando a sirtuína é aumentada, ela desacetila a ciclofilina D, que fica inibida, aumentando a captação de cálcio das mitocôndrias. Esse é o mecanismo que estamos propondo”, concluiu o pesquisador.

O artigo Caloric restriction increases brain mitochondrial calcium retention capacity and protects against excitotoxicity, de Ignacio Amigo, Sergio Luiz Menezes-Filho, Luis Alberto Luévano-Martínez, Bruno Chausse e Alicia J. Kowaltowski, pode ser lido em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/acel.12527/full.

Maria Célia Wider, do Redoxoma

Assista também ao vídeo do Núcleo de Divulgação Ciêntífica da USP sobre a pesquisa:

 


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