Câncer de mama: a difícil tarefa de comunicar a notícia

Qualidade da comunicação influencia no envolvimento de paciente e familiares no tratamento

 27/07/2017 - Publicado há 7 anos
A aceitação do diagnóstico do câncer pode ser um processo difícil e permeado de vivências angustiantes – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Comunicar um diagnóstico de câncer de mama à paciente é uma tarefa difícil, pois o profissional da saúde assume o lugar de um portador de má notícia. A comunicação é considerada pelos profissionais um dos aspectos críticos do ato diagnóstico, pois não é um processo linear, na medida em que implica vivências diversas, sinuosas, densas, complexas e, muitas vezes, ambíguas tanto para a paciente como para o médico. Dependendo do modo como esse processo se desenvolve, a comunicação pode resultar em vivências perturbadoras para quem recebe a notícia. Portanto, é fundamental que o profissional respeite a individualidade da paciente, pois a qualidade da comunicação está relacionada ao ajustamento emocional à doença e ao envolvimento da pessoa acometida e dos seus familiares no decorrer do tratamento.

Isso é o que revela estudo da psicóloga Janaina de Fátima Vidotti, que investigou a vivência do diagnóstico tanto na perspectiva dos médicos que o comunicam, como na das pacientes que o recebem. O trabalho foi desenvolvido na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, com orientação do professor Manoel Antônio dos Santos.

Janaina lembra que o diagnóstico de câncer traz impacto intenso para a vida da mulher, pois sinaliza um momento de transformação. Esse processo, diz a pesquisadora, tem uma temporalidade própria e não linear, que não está restrita ao momento em que a notícia é dada. “A aceitação pode ser um processo difícil e permeado de vivências angustiantes que abalam o equilíbrio psíquico, mas também pode ser uma experiência tranquila e permeada por aceitação imediata da doença como um fato da vida, dando início à consequente busca de fortalecimento e enriquecimento do cuidado.”

Para a pesquisadora, a comunicação pode ser considerada uma ferramenta indispensável para a promoção de cuidado junto à paciente assistida. “Ela se apresenta como um elo entre a paciente, a família e o profissional de saúde. É possível afirmar que uma boa comunicação é um componente indispensável na qualidade da relação estabelecida, uma vez que sedimenta a confiança da paciente no tratamento que será implementado e que costuma ser intenso, prolongado e invasivo.”

Pesquisas que abordam os componentes que são considerados relevantes para o paciente em uma comunicação diagnóstica mostram que, em geral, receptividade, clareza, comunicação empática, atenção e contato visual, bem como o fato de ser discutido o prognóstico, ou seja, as chances de sobrevivência, que são diretamente associadas ao estágio do câncer, são diferenciais na comunicação médico-paciente. Além disso, explica Janaina, as condições nas quais um diagnóstico é formulado podem influenciar a capacidade posterior de compreensão, recordação e aceitação da informação, contribuindo para a prevenção de transtornos emocionais.

O profissional

Uma comunicação eficiente da notícia é um elemento decisivo na relação entre médico e paciente – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Em relação ao profissional de saúde, a pesquisadora afirma que, além dos potenciais benefícios para a mulher, sentir-se preparado para dar uma má notícia também tem implicações para o desempenho do ato médico, pois o sentimento de competência pessoal pode facilitar a vivência do momento, tornando-o menos aversivo para quem recebe uma notícia tão dramática. “Mas é importante o oferecimento de espaços institucionalizados, nos quais os profissionais de saúde também possam ser cuidados e estimulados a expressar seus sentimentos. Infelizmente poucos serviços dispõem desses espaços, como grupos de reflexão das vivências profissionais ou workshops de educação para a morte, que permitem que o médico e demais membros da equipe de saúde possam compartilhar suas vivências.”

Para Janaina, a existência de grupos de reflexão sobre a prática profissional tem se mostrado valiosa para que os integrantes da equipe multidisciplinar possam encontrar um espaço interno para entrar em contato com seus sentimentos e, assim, poder cuidar de si e fortalecer sua condição subjetiva.

Relação médico-paciente e família

A pesquisadora reafirma que uma comunicação eficiente da notícia é um elemento decisivo para formar uma base de confiança e segurança na relação entre médico e paciente. O tipo de vínculo que se desenvolve a partir desse momento pode ter reflexos até o final do tratamento. Por isso esse vínculo deve ser o mais honesto, claro e compreensivo possível, além de sensível e acolhedor. “Se a notícia for dada de modo inapropriado, a relação tende a ficar estremecida e, consequentemente, vai aparecer a desconfiança entre os dois.”

O médico, como profissional da saúde, é considerado pela paciente um elemento-chave no cenário do enfrentamento do câncer de mama, principalmente quando informa sobre a doença e sua evolução, as melhores opções de tratamento, bem como quando conforta e encoraja a doente durante o diagnóstico e tratamento.

Outro ponto que chama a atenção na pesquisa é a necessidade de se manterem os cuidados em todos os momentos do processo por que passam as pacientes, não se restringindo somente ao momento em que a notícia é comunicada. “Muitas pacientes não se reabilitam plenamente, devido aos prejuízos psíquicos e sociais significativos que tendem a se avolumar cada vez mais desde a tomada de consciência sobre o diagnóstico”, alerta Janaina.

Cuidado integral é imprescindível

O cuidado integral para as pacientes pode ser compreendido como aquele que engloba aspectos psíquicos, sociais, biológicos e espirituais. A doença não incide apenas sobre o corpo, o que torna imprescindível que todas essas partes sejam consideradas no processo de adoecimento. Infelizmente, não obstante os esforços para assegurar o cuidado humanizado na saúde, o que se observa na prática é que o câncer de mama muitas vezes ainda é tratado apenas em suas dimensões físicas e não psíquicas, sociais e espirituais. “Os aspectos emocionais e psicológicos da mulher ainda são negligenciados, não sendo reconhecidos nem tratados. Isso deve ser objeto de reflexão por parte da equipe de saúde. A constituição biológica é fundamental na compreensão do processo de adoecimento, mas também se faz necessário que os outros fatores sejam incorporados na concepção de cuidado, para que as necessidades básicas das pacientes e de suas famílias não sejam negligenciadas”, defende Janaina. 

A dissertação de mestrado intitulada Descobrindo o câncer de mama: uma compreensão fenomenológica das vivências do processo de comunicação diagnóstica foi defendida em maio deste ano, com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Paulo Henrique Moreno, de Ribeirão Preto

Mais informações: e-mail janavidotti@gmail.com


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