Sequenciamento genético de amebas ajuda a entender evolução de reparo de DNA

Genes da recombinase A, que recompõe DNA fragmentado na divisão celular, vieram de bactéria ancestral das mitocôndrias, estruturas celulares responsáveis pela geração de energia

 06/10/2016 - Publicado há 8 anos
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Observação no microscópio de amebas presentes em fungos obtidos nos arredores do IB e cultivados em laboratório - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Observação no microscópio de amebas presentes em fungos obtidos nos arredores do IB e cultivados em laboratório – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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O sequenciamento genético de um micro-organismo realizado em pesquisa do Instituto de Biociências (IB) da USP ajuda a entender a evolução de uma enzima fundamental para a reprodução dos seres vivos. O trabalho do doutorando Paulo Gonzalez Hofstatter analisou o material genético de amebas (seres vivos unicelulares) e identificou que o gene da recombinase A, uma das enzimas que recompõem o DNA rompido durante a divisão celular, é originário de uma bactéria, uma forma de vida estruturalmente mais simples. Ao ser adquirida, a bactéria transferiu genes essenciais, como o da recombinase A, para o núcleo do organismo ancestral da ameba, que os conservou até os dias atuais.

Ameba Cyclopyxis lobostoma, com carapaça (tecameba), sequenciada na pesquisa - Foto: Alfredo L. Porfírio Sousa/LEP-IB
Ameba Cyclopyxis lobostoma, com carapaça (tecameba), sequenciada na pesquisa – Foto: Alfredo L. Porfírio Sousa/LEP-IB

A pesquisa, orientada pelo professor Daniel Lahr, teve início com o sequenciamento genético de diversas espécies de amebas, que são unicelulares e eucariontes, ou seja, com o núcleo (a estrutura que contém os genes da célula) definido. “O objetivo era identificar genes relacionados com a meiose, que é uma divisão celular fundamental para processos sexuais em eucariontes”, relata Hofstatter.

O estudo concentrou-se então na história do gene da enzima recombinase A. “Ela atua no processo de reparo do DNA da mitocôndria (estrutura responsável pela geração de energia para a célula). Por apresentar certa instabilidade, o DNA rompe-se com facilidade. As enzimas conhecidas como recombinases agem para juntar novamente esses fragmentos”, explica o professor.

Após o sequenciamento, o gene da recombinase A das amebas foi comparado com os genes da recombinase em outros seres vivos para elaborar uma árvore filogenética que retrate a evolução do gene. “Ele é originário de uma bactéria, que é um ser vivo procarionte, sem núcleo definido”, destaca Hofstatter. “Em algum momento, há cerca de 1,8 bilhão de anos, o ancestral comum dos eucariontes (Leca) incorporou uma bactéria com o gene, em um processo conhecido como endossimbiose primária”.

Transferência lateral

A bactéria incorporada na endossimbiose começou a atuar como mitocôndria, estrutura responsável pela geração de energia. “Ao tornar-se parte de outro organismo, seu genoma sofreu uma redução”, conta o pesquisador. “Os genes essenciais para a mitocôndria, como o da recombinase A, passaram para o núcleo do Leca, por meio de transferência lateral.”

Ameba Deuteramoeba algonquinensis, sem carapaça, encontrada na Cidade Universitária - Foto: Samuel P. Junior/LEP-IB
Ameba Deuteramoeba algonquinensis, sem carapaça, encontrada na Cidade Universitária – Foto: Samuel P. Junior/LEP-IB

Ao longo da evolução dos seres vivos, as linhagens do gene da recombinase A que permaneceram nas amebas foram substituídas por outras, como no caso dos fungos e dos animais pluricelulares. “Em organismos fotossintetizantes, como as plantas, houve uma outra endossimbiose, com o cloroplasto, o qual é descendente de uma cianobactéria”, diz o doutorando do IB. “Assim, houve mais uma transferência lateral, que levou a eles uma recombinase adicional.”

Quando adquiriram outros organismos, os eucariontes construíram novos genomas. “É como se fosse um organismo dentro do outro”, diz Lahr. “O genoma do núcleo é híbrido, pois recebe uma grande contribuição genética dos seres endossimbiontes. E embora codificada no núcleo, a enzima recombinase A é importada pela mitocôndria, onde atua nos processos de reparo de DNA”, acrescenta Hofstatter.

O professor do IB observa que outros pesquisadores da área de biologia molecular descobriram indícios da origem da recombinase. “A contribuição da pesquisa reside em gerar dados moleculares de organismos representativos do grupo Amoebozoa, que inclui as amebas, dos quais pouco se sabe e, junto com os dados disponíveis sobre outros eucariontes, contar toda a história do processo evolutivo e do ancestral comum”, diz. O estudo é descrito em artigo publicado na nova edição da revista britânica Proceedings of The Royal Society.

Prof. Dr. Daniel José Galafasse Lahr e Paulo Gonzales Hofstatter do laboratório do IB-USP. foto Cecília Bastos/Usp Imagens
Professor Daniel Lahr (à esquerda) e Hofstatter ao lado de mapa filogenético que mostra evolução da enzima recombinase A – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Lahr ressalta a importância do estudo genético dos micro-organismos, pois o grupo Amoebozoa está numa posição filogenética próxima à do Opisthokonta, no qual se incluem os seres humanos. “Por meio da comparação das sequências de DNA, é possível construir uma árvore filogenética que ajuda a entender eventos evolutivos antigos”, conclui. A pesquisa foi realizada pelo Laboratório de Evolução de Protistas do IB, com sequenciamento de nova geração realizado no Centro de Facilidades para Pesquisa (Cefap-ICB), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e em colaboração com Matthew Brown, da Mississippi State University (Estados Unidos).

Mais informações: emails dlahr@ib.usp.br, com o professor Daniel Lahr, e paulogh@usp.br, com Paulo Gonzalez Hofstatter


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