Enzima que evita oxidação celular tem sua localização identificada

Descoberta ajuda a compreender processos que evitam a geração de radicais livres danosos às células

 27/11/2017 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 23/04/2018 as 14:59
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Conhecimentos básicos como o gerado neste estudo podem servir a pesquisas aplicadas para tratar doenças como câncer e Alzheimer. Na imagem, mitocôndrias de células pulmonares ao microscópio eletrônico – Foto: Louisa Howard / Domínio Público via Wikimedia Commons

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Muitas doenças degenerativas estão ligadas a processos de oxidação das células que ainda não são compreendidos por completo. No Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina – Redoxoma, do Instituto de Biociências (IB) da USP, cientistas acabam de avançar neste conhecimento. Eles descobriram que a Peroxirredoxina (Prx), uma enzima capaz de combater a oxidação celular, é encontrada em dois locais da mitocôndria: na matriz e no espaço intermembrana. “A mitocôndria é uma organela multifuncional da célula onde acontece a respiração celular, e lá é fabricada a adenosina trifosfato (ATP), a principal fonte de energia das células”, descreve o professor Luís Netto, do IB. “Podemos dizer que a mitocôndria é a ‘usina’ da célula.”

“A mitocôndria contem vários subcompartimentos como quarto, sala e cozinha de uma casa”, descreve o cientista. “Como cada cômodo de uma casa, cada um dos subcompartimentos celulares abriga um mesmo tipo de processo celular. Assim, como na cozinha de uma casa são preparados os alimentos, nos quartos ocorre o repouso. Dessa forma, conhecendo a localização de uma proteína na mitocôndria, podemos ter pistas das funções que elas exercem”, exemplifica.
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Os resultados foram obtidos na pesquisa de doutorado do biólogo Fernando Gomes, orientado por Luís Netto, e acabam de ser publicados em artigo no The Journal of Biological Chemistry (JBC). “As peroxirredoxinas são as principais enzimas que removem peróxidos nas células e as mitocôndrias são importantes fontes de geração de peróxidos”, descreve Netto, que também assina o artigo. Peróxidos são oxidantes que podem gerar radicais livres que podem ser danosos nas células. Ele destaca que o conhecimento da localização da peroxirredoxina leva a uma melhor compreensão do seu papel biológico. “O mau funcionamento dos processos na mitocôndria está relacionado a doenças como o câncer, por exemplo”, diz o pesquisador.

Os experimentos foram realizados no laboratório do IB e os cientistas utilizaram células de levedura Saccharomyces cerevisiae. “As peroxirredoxinas são consideradas uma das principais enzimas antioxidantes dos seres vivos. Além da atividade antioxidante, peroxirredoxinas também estão envolvidas com sinalização redox. A sinalização redox é um processo no qual oxidantes como peróxidos podem atuar como mensageiros celulares, por exemplo ativando a proliferação ou diferenciação celular. Nesse trabalho mostramos como a peroxirredoxina 1 de levedura é importada para compartimentos mitocondriais distintos em processos mediados por sistemas protéicos diferentes.
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O professor Luís Netto coordenou os experimentos no IB – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Além disso, utilizando leveduras modificadas geneticamente, foi demonstrado que a peroxirredoxina 3 humana também pode ser transportada para a matriz de mitocôndrias desse microorganismo. Esse resultado indica que esse processo de importação de proteínas antioxidantes pela mitocôndria foi conservado durante a evolução, devendo ser relevante para o funcionamento das células de leveduras e humanas.

Processos danosos

Processos redox que ocorrem nos subcompartimentos mitocondriais geram espécies reativas de oxigênio que podem causar danos a macromoléculas, resultando em disfunção mitocondrial e, eventualmente, morte celular. A disfunção mitocondrial está associada a diversas doenças degenerativas e ao envelhecimento. Por outro lado, sabe-se também que essas espécies desempenham papéis como moléculas de sinalização em processos como imunidade, diferenciação e autofagia, processo capaz de reciclar componentes da célula. Por isso, os níveis das espécies reativas são rigorosamente controlados e as peroxidases – enzimas que removem peróxidos – exercem um papel regulatório, diminuindo os níveis de peróxido de hidrogênio (H2O2) dentro das mitocôndrias.
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Peroxirredoxinas (Prxs) são tiól-proteínas que catalisam a redução de peróxidos. As células de mamíferos expressam seis isoformas de Prx, cada uma codificada por um gene diferente. Em leveduras, existem cinco isoformas, das quais uma, a Prx1, localiza-se na mitocôndria e desempenha um importante papel na eliminação do peróxido de hidrogênio (H2O2) produzido a partir da cadeia de transporte de elétrons.

A maior parte das proteínas mitocondriais é codificada por genes nucleares, traduzida no citoplasma e posteriormente importada para o interior da organela. Para importar proteínas, as mitocôndrias contam com diversos complexos proteicos localizados nas membranas mitocondriais externa e interna. Dois destes complexos transportadores, um localizado na membrana externa, chamado TOM (translocase of the outer membrane), e outro localizado na membrana interna, o TIM23 (presequence translocase of the inner membrane), reconhecem uma sequência específica de aminoácidos, conhecida como pressequência. A pressequência é uma extensão de aminoácidos localizada na região N-terminal, que sinaliza a importação da maioria das proteínas para a matriz mitocondrial. Durante a importação, as proteínas contendo a pressequência passam sequencialmente pelos complexos TOM e TIM23 e finalmente alcançam a matriz mitocondrial.

A Prx1 também faz esse caminho, mas, como descobriram os pesquisadores, a partir do complexo TIM23 há duas possibilidades: ela vai para a matriz ou para o espaço intermembrana, por mecanismos diferentes. Os estudos são básicos sobre o funcionamento da mitocôndria, que está envolvida em processos como controle de proliferação e morte celular. “É possível que, no futuro, esse conhecimento venha servir para novas pesquisas que visem a novas abordagens terapêuticas para doenças como câncer e que causem neurodegeneração, com o Alzheimer, por exemplo”, acredita Netto.

Com informações de Maria Célia Wilder, do Redoxoma

Mais informações: e-mail nettoles@ib.usp.br 


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