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No último dia 1º de março, a Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria, da ONU, entregou o relatório sobre a batalha por Aleppo, naquele país. A comissão concluiu que ambos os lados, tanto as forças do governo de Bashar Al-Assad quanto as forças rebeldes, cometeram crimes de guerra. O documento foi feito com base em 291 entrevistas a moradores de Aleppo, algumas delas feitas remotamente, além de análise de imagens por satélite e vídeos.
Aleppo é a maior cidade da Síria e uma peça fundamental para a guerra na região. Em 2012, porções da cidade foram tomadas por rebeldes e o governo sírio contra-atacou para retomá-la. Estendeu-se então um conflito de quase cinco anos pelo controle da região, o que obrigou milhares de civis a se deslocarem e causou o que é chamada uma das maiores crises humanitárias da história. O conflito chamou a atenção do mundo quando surgiram diversos relatos e vídeos na Internet, denunciando a situação dos civis e o uso dos mesmos como escudos humanos. O ataque a hospitais, escolas e ao comboio de ajuda humanitária da ONU também chamou atenção para a região.
Para o jornalista, mestre em ciências pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP e um dos fundadores da página Oriente Mídia, Babel Hajjar, o relatório da ONU tende a apontar muito mais as violações de direitos humanos do governo sírio e da sua aliada Rússia do que as dos grupos armados. Segundo ele, o documento causa a impressão de que os rebeldes possuíam apenas armas caseiras, o que não condiz com a verdade. “Os rebeldes vêm recebendo armamentos de última geração em quantidades enormes, muitos inclusive dos EUA. E isto vale para os grupos considerados terroristas, Daesh e Al Qaeda, e não só os chamados ‘rebeldes moderados’, cuja existência é duvidosa”, afirma.
Outro fator apontado pelo jornalista que vai contra o relatório é a intensa propaganda negativa feita sobre as forças do governo pela mídia mundial. Medidas de Assad, como o corte de suprimentos à região, foram chamadas pela imprensa de “cerco desumano de Assad”, mas Hajjar lembra que os grupos armados estavam controlando a comida da população e utilizando a mesma como escudo. “Imagine que, ao invés de Aleppo, estivéssemos falando de um bairro de Nova York, Londres ou Paris, tomado por extremistas. Quanto tempo os governos levariam para tomar uma ação, digamos, mais drástica? Uma semana? Duas?”.
Já para o professor Guilherme Assis de Almeida, do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, é muito complicado tomar partido em uma guerra que se estende há tanto tempo. Para ele, a batalha por Aleppo e a guerra na Síria como um todo ainda são de difícil compreensão e, por isso, tomar um partido pode ser arriscado. Por esse motivo, segundo Almeida, é tão necessária a mobilização acadêmica para estudar o conflito e encontrar formas de se atingir a paz.
“O melhor relatório seria aquele que não sofresse crítica de nenhum dos lados, mas esse seria um relatório impossível, porque mostra as dificuldades da ONU em atuar como mediadora eficaz nesse processo. Nesse sentido, repensar o papel da ONU seria pensar num papel capaz de juntar todos os atores nesse processo que estejam interessados em pensar na construção da paz”, afirma o professor.