Após 20 anos, LDB não trouxe avanço pleno para educação no Brasil

Período representa avanços, mas educação permanece como direito social em disputa, avalia Sônia Kruppa

 31/01/2017 - Publicado há 7 anos
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Foto: Daniel Guimarães/SEE SP
LDB serve de base para que novas legislações efetivem os princípios nela estabelecidos – Foto: Daniel Guimarães/SEE SP

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Ao final de 2016, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) completou 20 anos de aprovação. Promulgada em 20 de Dezembro de 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, após diversas disputas em relação a sua formulação final, a lei se tornaria peça central para a estruturação e funcionamento da educação brasileira. Mas após esse período o que esta lei representou para a educação brasileira?

Segundo Sônia Kruppa, professora da Faculdade de Educação (FE) da USP e chefe de gabinete na Secretaria da Educação de São Paulo de 1991 a 1993, é a partir da LDB que se reafirma a educação enquanto um direito, tal como previa a Constituição de 1988. “Direito é universal, é para todos. E não é favor. Não é privilégio, nem favor”, enfatiza.

É preciso lembrar, diz Sônia, que a LDB sozinha não garante este direito, mas serve de base para que novas legislações efetivem os princípios nela estabelecidos. Ao longo destas duas últimas décadas novas leis, emendas constitucionais e mesmo decretos presidenciais moldariam o perfil da educação nacional, inclusive com diversas alterações na própria LDB.
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No atual momento, uma nova mudança de grandes proporções surge no horizonte desta lei: a Medida Provisória 746, de 2016, conhecida como reforma do ensino médio. A proposta prevê ampliação da carga horária, mudanças nas regras para contratação de professores e ampla reestruturação curricular. Já aprovada na Câmara dos Deputados, a medida ainda deve passar pela votação do Senado.

De acordo com a reforma em tramitação, um conjunto comum de disciplinas deve compor parte da formação dos alunos, sendo complementado por um dentre cinco itinerários formativos a ser escolhido por cada estudante. Cada um destes percursos escolares enfoca uma área do conhecimento, a qual determina conteúdos específicos a serem cursados. Segundo Sônia, contudo, a proposta do governo representa um retrocesso:  “Isso é uma mentira. As escolas públicas não vão ter condição de ofertar todas as modalidades”.

Para garantir um direito é preciso recursos

Sônia Kruppa - Foto: Divulgação/Plácio do Planalto
Sônia Kruppa – Foto: Divulgação/Palácio do Planalto

Se a LDB fornece um solo a partir do qual o direito à educação se estrutura, deve haver planejamento e financiamento para garanti-lo: “É preciso reforma tributária para garantir o direito à educação. A gente estava prestes a avançar para isso, porque  o Plano Nacional de Educação (PNE), que era uma exigência da LDB e da Constituição, foi aprovado. Ele finalmente previa uma ampliação  de recursos para garantir o acesso e a permanência”, avalia Sônia Kruppa.

Para a professora, um aspecto-chave do emprego de tais recursos, entretanto, deveria ser a valorização da carreira docente:

O direito à educação básica envolve a  formação de professores com qualidade. Mas não basta só formar, é preciso pagar adequadamente. É preciso ter quem queira ser professor de física, de língua portuguesa, de inglês, de sociologia… É preciso de jovens que queiram abraçar a carreira do magistério.

Além de prever recursos, o PNE também funciona como padrão de medida do governo para diagnosticar a educação. O atual plano, com início em 2014,  prevê 20 metas gerais a serem atingidas pela educação brasileira até 2024, além de considerar também a elaboração de planos estaduais e municipais.

Medir a educação é tarefa complexa: acesso, permanência, qualidade, inclusão, equidade, e níveis de investimento são alguns dos fatores em questão. Isolados, estes aspectos dizem pouco. Além de observá-los em conjunto, é importante levar em conta tanto sua evolução histórica quanto a relação dos indicadores com as metas do PNE.
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Observando cada setor da educação básica é possível identificar uma série de problemas particulares, apesar dos avanços desde a implantação da Lei de Diretrizes e Bases. É o que mostra o Anuário Brasileiro da Educação Estatística, elaborado pelo movimento Todos Pela Educação a partir de dados do IBGE/PNAD.

Segundo o relatório, a educação infantil ainda possui taxas baixas de acesso, em especial no âmbito das creches, onde apenas 29,6% das crianças estavam matriculadas em 2014. “A educação infantil, a creche em especial está longe de ser um direito efetivo das crianças.  A gente tinha até este ano  para universalizar, como dever do Estado, a oferta de pré-escola. Obviamente não conseguimos. Por que? Porque tudo isso depende de recurso. E o Brasil tem toda condição de oferecer recurso, se, e tão somente se, tomar providência nesta direção.”

Ainda de acordo com o anuário, as outras etapas da educação básica também apresentam dificuldades. O ensino fundamental, apesar de próximo da universalização, ainda apresenta muitos alunos que não o concluem na idade adequada, 16 anos. Já no ensino médio nota-se estagnação do número de matrículas e desempenho abaixo do adequado nas provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que avalia o rendimento do setor em português e matemática.
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O número de matrículas na rede pública diminuiu nos últimos dez anos - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
O número de matrículas na rede pública diminuiu nos últimos dez anos – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

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Já num cenário mais geral, outro dado chama a atenção: a queda do número de matrículas e de estabelecimentos da rede pública e o acentuado aumento destes números na rede privada nos últimos dez anos. A existência do sistema privado junto ao sistema público é prevista na LDB, mas é preciso problematizá-la, conforme aponta a professora, pois do contrário “não se assegura um direito e se transforma o direito num serviço e o serviço numa mercadoria”.

Após 20 anos de existência é possível, segundo Sônia Kruppa, afirmar que  “sim, a LDB de 1996 representa um avanço. Mas ela representa um avanço pleno? Não. Por que? Porque a educação e o direito à educação, como os direitos sociais no Brasil, estão todos em disputa”.  E esta é uma disputa na qual estarão sempre em jogo os próprios termos desta lei fundamental.

 

Ouça a entrevista da professora Sônia Kruppa da Faculdade de Educação à Rádio USP

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