Revisão nas falas? (2)

Mario Fanucchi é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 19/12/2017 - Publicado há 6 anos

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Mario Fanucchi – Cecília Bastos/USP Imagens

Quarta-feira, 6/12/2017, 15:55

“… fuligem nos corredores, o vazio nos espaços antes ocupados por exposições e o vaivém de operários são a intermitente cicatriz que remete ao incêndio de grandes proporções. Mas a fachada recuperada e o relógio recuperado que voltará a funcionar na manhã de hoje servem como recado público: chega ao fim a 1ª fase da reforma do Museu da Língua Portuguesa…”

Encontrei esse texto na página de busca do Jornal da USP, ao procurar  detalhes sobre o feliz acontecimento registrado na manhã daquele mesmo dia. O curioso é que, na mesma página, havia um lembrete do artigo de minha autoria, publicado um dia antes, sob o título “Revisão nas Falas?”. Deduzi que o programa de busca fez a conexão com a frase que usei –  nossa pobre rica língua portuguesa! – para expressar preocupação pelo crescente número de lapsos que vários comunicadores cometem,   secundados, lamentavelmente, por outros tantos participantes, na qualidade de entrevistados e colaboradores. Erros gramaticais, erros na escolha das palavras, vícios de linguagem… Enfim, é tão comum esse descuido com o nosso idioma, que tememos pelo que o futuro nos reserva. Tivemos muitos profissionais do rádio e tevê de qualidade e, claro, alguns deles ainda estão a postos nos estúdios. Mas continuarão a surgir em número suficiente para que o brilho em suas carreiras e, ao mesmo tempo, seu desempenho no papel de inspiradores dos novos se completem?  A questão correta é: haverá entre eles alguém com inteligência, talento e voz de um Blota Jr.?

No dia em que a televisão mostrou a instalação da nova placa na rua com seu nome, lembrei  momentos de sua carreira, muitos dos quais acompanhei de perto. Além da sua  titularidade em toda a trajetória do Prêmio Roquette Pinto, Blota atuou nos principais programas das Emissoras Unidas. Foi em um deles, desdobrado em etapas e transmitido durante semanas, que nos encontramos (pois nunca havíamos trabalhado juntos na mesma emissora) – ele,  como Apresentador e eu, representando a agência, escalado para os bastidores.

Mas quem não gostaria de atuar em qualquer função perto do Blota? Ainda mais na  televisão, que havia progredido bastante, depois de uma década de duro aprendizado? Também não era um programa qualquer. Tratava-se de um concurso para escolher um cantor ou cantora em todo o Brasil. A grande final realizava-se em São Paulo, transmitida por uma rede de rádio e tevê. Abre-se a cortina do Teatro Municipal… O espetáculo vai começar!  Blota aparece, enquanto a orquestra completa a abertura musical.  E, então, ouve-se a voz do Sr. Apresentador Blota Jr. Era uma voz que prendia nossa atenção instantaneamente. Vibrante, na medida certa, no momento certo. Moderada, quando se tratava de esclarecer alguma questão. Alegre e muito à vontade, em  momentos de descontração. Com ele, tudo funcionava harmoniosamente, como se estivesse sob sua batuta! E quanto à escolha das palavras?! Ele improvisava com uma facilidade de causar inveja! Em matéria de atitude e uso da palavra, não me lembro de ninguém que conseguisse, com tanta segurança, desempenhar seu papel em qualquer gênero de programa como  Blota Jr. E isso, ano após ano, fiel ao mesmo estilo – o “estilo Blota Jr”.

Tivemos muitos profissionais do rádio e tevê de qualidade e, claro, alguns deles ainda estão a postos nos estúdios. Mas continuarão a surgir em número suficiente para que  o brilho em suas carreiras e, ao mesmo tempo, seu desempenho no papel de inspiradores dos novos, se completem? A questão correta é: haverá entre eles alguém com inteligência, talento e voz de um Blota Jr.?

Contudo, o mais importante marco na carreira de Blota, a meu ver, foi estabelecer a definição de um modelo de apresentador e entrevistador, em programas de alto nível no rádio e na televisão. Além disso, ele trabalhou para a criação do Sindicato de Radialistas, do qual foi diretor. Colaborou,  também, com  a entidade dos Pioneiros da Televisão Brasileira, hoje Pró-TV, presidida pela inesquecível Vida Alves. Foi lá que nos reencontramos e trabalhamos juntos pela última vez.

Bem… Espero que me perdoem por me estender além da conta neste relato, quando a minha intenção era apenas apresentar uma justificativa para a expressão que usei no primeiro artigo publicado: “pobre rica língua portuguesa!” Pois aí vai!  POBRE, porque  está sendo maltratada, cidadão! Pobre, porque não a respeitam como antigamente. Porque a transformaram em algo assustador: um fantasma pronto a eliminar candidatos a vagas na  universidade ou a um emprego salvador ! Frustração é seu nome! Desprezada como algo nojento, seu destino é um lixão! Repetente! re-pe-ten-te… Causa: REDAÇÃO!  Nos bons tempos, era um passeio, se comparada com Matemática, Química e Latim… “Ler era diversão, porque não havia televisão ( passando filmes sem parar ) e todas essas coisas de joguinhos na internet ou no celular. Pra variar, a gente andava de bicicleta ou ia ao cinema nas tardes de domingo. Então, a gente gostava de ler. E, ensina a regra, quem gosta de ler, acaba gostando de escrever.

Ler – Escrever… é o segredinho da Redação.

— Satisfeito, cidadão ?

— Sim… e não… Você falou: Pobre RICA… Explique-se.

— Hoje, não tenho espaço para isso. Fica para o próximo capítulo.

Comentário: Notem que, hoje, não registrei nenhum ataque à nossa pobre rica língua, por considerar prioritária a boa notícia da recuperação de parte das instalações do Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz. E, dentro do tema sob o título “Revisão nas falas?”, nossa homenagem ao grande radialista Blota Jr. –  falecido em 23 de dezembro de 1999.

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