Que 2018 seja nosso amigo

Carlota Boto é professora titular da Faculdade de Educação (FE) da USP

 22/12/2017 - Publicado há 6 anos

Carlota Boto é professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Conforme vão se aproximando as festas de final de ano, parece que uma esperança paira no ar. Para os cristãos, o tempo do Natal é uma época de paz, de amizades, de reconciliação. Para os que não acreditam, ou melhor, mesmo os que não acreditam, muitas vezes, entram no ambiente de despedida e de renovação que o novo ano parece trazer. Talvez seja o caso de nos perguntarmos o que nós desejamos para o ano vindouro: serenidade, alegrias, muitas realizações e principalmente saúde. E, no entanto, por que ao longo do ano costumamos nos esquecer desses votos que fizemos no final do anterior? Por que nos esquecemos das promessas que juramos cumprir, das pessoas que prometemos lembrar, das iniciativas que nos comprometemos a tomar?

De um ano para o outro, podemos notar marcas nas pessoas com quem convivemos. Não apenas envelhecemos um ano, mas vivemos um ano a mais – e viver tem seu preço. Estamos em uma época de transição e de crise: crise política, crise econômica e crise no padrão das relações de convivência. Muitas pessoas querem deixar o País, estão desencantadas com os desmandos de nossas políticas públicas e com as tentativas e ameaças de ruptura das conquistas trabalhistas e de seguridade social. Mas o fim do ano traz um raio de expectativa: talvez as coisas não estejam tão ruins, talvez tudo possa melhorar.

No âmbito da Universidade, há um clima de desesperança no ar: sobre o futuro próximo que nos aguarda, sobre a falta de recursos que cerca a próxima Reitoria, a qual virá a assumir uma instituição em momento de crise… Enfim, não sabemos ao certo o que nos aguarda. Além disso, vivemos uma época em que somos avaliados por instâncias que nem sempre foram protagonistas do cenário universitário: a Capes, as políticas de pós-graduação hoje dão as rédeas dos critérios e da pontuação pela qual seremos aferidos. Transformar a produção universitária em números tem, entretanto, consequências. As relações humanas na Universidade tornam-se esgarçadas e a convivência, pautada por um nível de competitividade que anteriormente talvez não existisse. A Capes trouxe para nós essa marca.  Nesse sentido, o que desejar para o universo simbólico do ano novo?

Conforme vão se aproximando as festas de final de ano, parece que uma esperança paira no ar. Para os cristãos, o tempo do Natal é uma época de paz, de amizades, de reconciliação. Para os que não acreditam, ou melhor, mesmo os que não acreditam, muitas vezes, entram no ambiente de despedida e de renovação que o novo ano parece trazer.

Para os gregos antigos, o objetivo da vida era a ética. E a ética era a felicidade. E a felicidade correspondia ao que eles compreendiam como vida boa: uma vida, ao mesmo tempo, justa e agradável; ou seja, uma vida digna. Podemos entender como operatórios, para o final de ano, alguns conceitos aristotélicos – e tomá-los como votos para os próximos 365 dias: virtude, justo meio, discernimento, equidade e amizade. A ideia é a de que a felicidade está acoplada à ideia de virtude. O costume, o modo de ser recebe sua forma a partir de um dado ethos, que tem a ver com a dignidade da vida. A virtude não é um estado pré-fixado. É uma disposição de caráter que se configura em uma prática. Virtude é hábito. É preciso praticá-la. É preciso habitar a ideia de virtude. Daí a noção de ethos e de ética.

Nesse sentido, a virtude é um requisito. Cumpre atentar também para o justo-meio: sempre o meio-termo entre dois extremos, distante tanto do excesso quanto da falta. Além disso, virtude ética requer discernimento, capacidade de distinguir as coisas umas das outras. O discernimento seria, em alguma medida, um “senso de proporção”, e este remete diretamente às deliberações que tomamos em nosso dia a dia. A equidade, por sua vez, seria o julgamento compreensivo acerca das questões de nossa vida comum. Trata-se de julgar adequadamente, segundo os critérios ponderados do que poderá ser a verdade de cada situação. Finalmente, a amizade. A amizade é um conceito fundamental para o pensamento grego. Em Aristóteles, ela tem por ponto de partida a acepção de amabilidade, a ideia de uma disposição afável para o convívio: uma predisposição para aceitar o outro, para conviver com o diferente, para acatar o pensamento divergente.

Para os gregos antigos, o objetivo da vida era a ética. E a ética era a felicidade. E a felicidade correspondia ao que eles compreendiam como vida boa: uma vida, ao mesmo tempo, justa e agradável; ou seja, uma vida digna.

Nesse sentido, a amabilidade é o prefácio da amizade. Poderíamos dizer que é um “como se” da amizade: como se fosse amizade… Na vida profissional, aproximamo-nos disso. Talvez seja de se desejar para o próximo ano uma “ética da colegialidade”, mediante a qual possamos tratar nossos colegas como se eles fossem nossos amigos. O coleguismo em nossas ações na profissão nem sempre é a nossa marca. Apesar disso, deveríamos pautar nossa vida profissional a partir de um conjunto de atitudes que pudessem tratar o outro como se fosse por amizade. Isso seria, em alguma medida, um dever de consciência – a intenção afável – e uma maneira de construir uma vida institucional mais solidária. Talvez seja isso que se venha a desejar para a universidade em 2018: que possamos nos tratar reciprocamente como se fosse por amizade.

 


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