O prêmio Nobel para “Ish”

John Milton é professor do Departamento de Letras Modernas, Língua Inglesa, da USP

 10/10/2017 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 13/10/2017 as 11:08

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John Milton – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Depois do fiasco de 2016, quando não se sabia se Bob Dylan ia aceitar ou não o Prêmio Nobel de Literatura, com o comitê sendo muito criticado por ter outorgado o prêmio a um cantor, não um verdadeiro escritor de “literatura”, este ano o comitê fez uma escolha muito mais conservadora e tradicional: um romancista reconhecido, admirado por muitos e traduzido para mais de 20 línguas, alguém que teria enorme prazer em receber o reconhecimento do prêmio, e que, com certeza irá à cerimônia de outorga em Oslo em dezembro.

Kazuo Ishiguro é simpático, tranquilo, sem a “esquisitice” de Bob Dylan. Me lembro quando ele deu uma palestra na USP uns 20 anos atrás. Acabou de ter sucesso com Os Vestígios do Dia. Uma aluna de graduação perguntou o que ele achava de Pamela, de Henry Fielding. Respondeu que nunca tinha lido, e que passava mais tempo escutando rock’n roll do que lendo!

Depois de ser anunciado como o vencedor do Prêmio Nobel na quinta-feira da semana passada, os repórteres chegaram à casa de Ishiguro no norte de Londres: “Como descobriram onde moro?”, ele perguntou. “Pensei que só podia ser fake news”; “Se tivesse certeza que fosse verdade, teria lavado meu cabelo para tirar todas as fotos”; e, muito diferente de Dylan, elogiou a importância do Prêmio Nobel.

“É uma honra magnífica, principalmente porque isso significa que eu estou seguindo nos passos dos maiores autores da história, de modo que é um prêmio maravilhoso. O planeta está em um momento muito incerto, e espero que todos os prêmios Nobel sejam uma força para algo positivo no mundo, como é no momento. Ficaria profundamente emocionado se eu pudesse de algum modo ajudar a mudar o clima do mundo este ano, contribuindo para algum tipo de atmosfera positiva num momento muito incerto.”

Kazuo Ishiguro nasceu em 1954 em Nagasaki, Japão, cidade onde em 1945 caiu uma das bombas nucleares, foi para a Inglaterra com 5 anos por causa do trabalho do pai, oceanógrafo, e, apesar de falar japonês em casa, o inglês sempre foi a sua língua principal: estudou em escolas inglesas e depois fez Literatura Inglesa e Filosofia na Universidade de Kent, formando-se em 1978, e depois fez o mestrado em Creative Writing na Universidade de East Anglia, terminando-o em 1980. Entre seus professores destacam-se os escritores reconhecidos Malcolm Bradbury e Angela Carter.

Depois de ser anunciado como o vencedor do Prêmio Nobel na quinta-feira da semana passada, os repórteres chegaram à casa de Ishiguro no norte de Londres: “Como descobriram onde moro?” ele perguntou. “Pensei que só podia ser fake news”; “Se tivesse certeza que fosse verdade, teria lavado meu cabelo para tirar todas as fotos”; e, muito diferente de Dylan, elogiou a importância do Prêmio Nobel.

Mas Ish tinha mais interesse em rock’n roll, e era grande fã de Bob Dylan. Queria ser cantor de rock e escrever era só um passatempo. Mas começou a publicar contos e depois romances e logo ficou conhecido.

Embora alguns escritores japoneses tivessem uma influência distante em sua escrita, Junchiro Tanizaki é o que ele mais frequentemente cita, Ishiguro disse que os filmes japoneses, especialmente os de Yasujiro Ozu e Mikio Naruse, foram uma influência mais significativa. O comunicado oficial do comitê do Prêmio Nobel observou que “o escritor inglês Kazuo Ishiguro, cujos romances de grande força emocional demonstraram o abismo sob nosso senso ilusório de conexão com o mundo”, também apontou semelhanças entre a obra de Ishiguro e a de Austen, Kafka e Proust, e a “ironia da comédia humana”.

Em A Pale View of Hills (Uma pálida visão dos montes) (1982), Ishiguro aproveita seu lado japonês para narrar a história da emigração de uma família japonesa para a Inglaterra. O livro teve bastante sucesso e os críticos começaram a colocar Ishiguro num gênero então desconhecido: a ficção inglesa de escritores como Salman Rushdie e Timothy Mo, cujas vidas começaram fora de Inglaterra.

An Artist of the Floating World (Um artista do mundo flutuante) (1986) está situado numa cidade japonesa sem nome durante o período de reconstrução após a rendição do Japão em 1945. O narrador é forçado a aceitar sua atuação na Segunda Guerra Mundial. Ele é culpado pela nova geração que o acusa de fazer parte da política externa do Japão na guerra e é forçado a enfrentar os ideais dos tempos modernos representados por seu neto.

The Remains of the Day (Os vestígios do dia) (1989), é um romance sobre as reflexões de um mordomo, Stevens, no período antes da Segunda Guerra, sobre seu empregador, um simpatizante nazista, e o relacionamento não realizado com a governanta, Miss Kenton. O livro foi descrito pelo comitê do Nobel como trançando os temas de “memória, tempo e autoilusão”. The Remains of the Day ganhou o Prêmio Booker, o prêmio literário mais prestigioso do Reino Unido, em 1989, que foi seguido por The Unconsoled (O Inconsolável) (1995), um romance sobre os pensamentos de um pianista de concertos, parcialmente inspirado pela vida de Ishiguro no circuito de promoção literária.

Em Never Let Me Go (2005) Kathy, Tommy e Ruth, ex-estudantes do Hailsham, uma escola privada inglesa, refletem sobre um segredo que assombra suas vidas, fazendo deste uma história de terror de ficção científica.

O último livro de Ishiguro é The Buried Giant (O Gigante Enterrado) (2015) e se passa quando os romanos já tinham deixado uma Grã-Bretanha decadente. Axl e Beatrice, um par de idosos anglo-saxões, se deslocam para encontrar o filho que eles não veem há tantos anos, que mal podem lembrar-se de sua fisionomia. E enfrentando vários perigos se dão conta do seu amor mútuo.

Apesar do pequeno número de livros, Ish aborda temas, épocas e personagens diferentes, sempre tentando chegar às suas emoções profundas, encobertas, vergonhosas, essas sendo as qualidades pelas quais ganhou o Prêmio Nobel.

 


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