Não está na hora de termos revisores de fala?

Mario Fanucchi é professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP

 04/12/2017 - Publicado há 6 anos
Mario Fanucchi – Cecília Bastos/USP Imagens

 

Quando escrevemos no nosso micro, o corretor automático evita falhas gramaticais e de digitação. Pena que o mesmo não aconteça quando as palavras são ditas, ainda mais se for diante do microfone de uma rádio ou tevê… Nesse caso, o efeito dos erros é desastroso: quem os ouviu,  poderá, até inconscientemente, assimilá-los, tal a força desses meios de comunicação.

Exemplo 1: Há algum tempo, rádio e tevê reproduziram, à exaustão, o termo “a nível de”, adotado por um número incalculável de comunicadores nas mais diversas áreas e funções. Quando alguém começava a falar, era só esperar um pouco e a indefectível expressão comparecia… Demorou para uma boa alma, fiel ao vernáculo, lembrar que o certo era dizer “em nível de”. Claro que a impropriedade teria sido flagrada se existisse revisão de fala…

Exemplo 2 (no ar atualmente): Os fatos, eles trazem efeitos… (o enunciado não precisa da palavra “eles”. Tanto é verdade, que o corretor do meu micro a sublinhou, como um alerta!), mas o orador, o entrevistado, o comentarista e mesmo membros do Judiciário foram todos contaminados por esse vírus (não de natureza informática, mas tão perigoso quanto…) que continuará a causar danos, a menos que surja um revisor a posteriori… (- Esperem aí! Não é que a expressão vem a calhar?! É bom anotar…)

Para demonstrar como o ataque à nossa pobre rica língua portuguesa é real e persistente, aí vai outra previsível variante:

Exemplo 3: Apresentador(a) da Previsão do Tempo:

– Como se vê no mapa, a frente fria vai vir do mar e…  (aqui, evitou-se usar “virá”, que poderia soar pedante…), mas, lamentavelmente, não ocorreu ao indivíduo dizer apenas vem do mar, já que “vem” equivale ao tempo futuro e é palavra bem-vinda por nos livrar de ouvir, a título de reparo, a terrível expressão “vai vir”!
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Quando escrevemos no nosso micro, o corretor automático evita falhas gramaticais e de digitação. Pena que o mesmo não aconteça quando as palavras são ditas, ainda mais se for diante do microfone de uma rádio ou tevê.

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Exemplo 4: Reportagem no rádio: “Uma grande quantidade de pessoas assiste o incêndio!“

Um revisor de falas astuto (como, suponho, é natural pretender-se) não perderia a chance de decretar dois erros do repórter: a) Não se diz “quantidade de pessoas e, sim, “número de pessoas”; b) A multidão assiste ao incêndio. (Quem assiste o incêndio é o Corpo de Bombeiros, tentando apagá-lo…)

Exemplo 5: É cada vez mais comum a tática de desprezar o “r” no infinitivo para dar ao diálogo um tom informal. Pessoas das quais se espera uma fala correta, desandam a dizer : levá, fazê, cantá, lê…  Ou, quando argumentam, não deixam de usar o clássico né?…né?, como a pedir apoio às próprias opiniões. Note-se, também, que esse comportamento parece ser contagioso. Tanto que o interlocutor, sem querer, também adere ao?…

Exemplo 6: Cacófato! Até o nome soa mal! Mas seu uso se alastrou de tal forma, que parece usucapião! E não pode faltar nas transmissões esportivas:

– O cara não existe! Marca gol até sem querer!

– A levantadora se chocou com uma adversária e a boca dela está sangrando!” Na continuação da fala, novo cacófato, cujo efeito é mais brando:

– Como ela disse, foi puro acidente…

Contudo, o causador da cacofonia também está presente nas conversas do dia a dia:

– A Maria? Vi ela na festa, quando cantou nosso hino…

Comentário: Há um sem-número de casos semelhantes aos exemplos aqui apresentados. Penso em continuar a examiná-los mais ou menos como estou fazendo agora. Aliás, não estou brincando quando avalio a figura de um revisor de falas. Como jornalista, sempre respeitei os revisores de jornais, revistas ou livros. Não é para menos: enfrentei algumas reformas ortográficas avassaladoras e até repeti um ano por ter sido reprovado em Latim… Na verdade, jamais corri o risco de mandar algo para publicação sem o aval de um profissional, como o nosso revisor na TV Cultura, que verificava, um a um, todos os letreiros antes de irem para o ar.

E, por falar em televisão, vamos fazer de conta que estou bolando uma novela.  Portanto, até o próximo capítulo!

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