Desertos e seus padrões matemáticos

Phillipo Lappicy é pós-doutorando do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação e bolsista da Fapesp

 26/10/2017 - Publicado há 6 anos

Foto: Arquivo Pessoal / Phillipo Lappicy

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Phillipo Lappicy – Foto: Denise Casatti

Desertos são compostos de uma infinidade de diversidade, demonstrando a capacidade da natureza de autoorganização. A sua vegetação, os componentes rochosos em montes, montanhas, dunas e no solo, além da vida que ali se adaptou, completam tal complexo cenário. Em particular, o solo dos desertos me chamou a atenção desde que fiz a primeira viagem ao deserto do Saara, no norte da África.

A areia do Saara é desenhada a partir dos ventos que a sopram. Esse é um caso particular de quando um fluido (o ar) desliza sobre um material sedimentado (a areia). O ar é responsável por formar padrões na areia e, na maioria dos casos, o padrão formado são riscos que aproximam linhas. O vento não é só responsável por modelar a forma de tais linhas, mas também determina o espaçamento entre elas e como tais riscos se movimentam com o tempo.

Tais linhas aparecem quando o vento sopra suficientemente forte e carrega grãos de areia adiante. A areia que é carregada pelo vento viaja em trajetórias pouco previsíveis, porém, ela é suspensa no ar e cai ao solo novamente. Ao cair, tal aceleração exerce uma força sobre o chão, durante o impacto. Como o vento sopra em uma direção, a areia é carregada quase na mesma direção, com quase a mesma força, e os grãos se acumulam ali, criando o relevo ondulado e formando os padrões que são observados.
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“Desde que fiz a primeira viagem ao deserto do Saara, o solo dos desertos me chamou a atenção” – Foto: Arquivo Pessoal / Phillipo Lappicy

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Curiosamente, desertos de areia no mundo inteiro demonstram tais padrões em seu solo, como, por exemplo, o deserto de Kalahiri, no sul da África. Logo, tais padrões não são apenas designados a um deserto em particular, mas aos seus principais conteúdos: ar e areia.

Outros padrões em solo são observados em desertos de sal ao invés de areia. O Salar de Uyuni, por exemplo, que se encontra na Bolívia. Nesse caso, existem outros fatores para gerar padrões além do composto solo: umidade, temperatura e exposição a raios solares. Tais causas geram polígonos de sal no chão.

Os polígonos são gerados pois os raios solares diminuem a umidade relativa do solo e os grãos de sal tendem a se aglomerar. Ao se aglomerar, o objeto em larga escala tende a formar o mesmo formato das conexões químicas das partículas de sal e dos outros componentes que se encontram no subsolo. Note que os polígonos de sal não são regulares – isto é, os seu lados e ângulos não são iguais. Mas, ao que parece, a área dos polígonos parece não desviar muito.

Enquanto eu caminhava pelo deserto de Uyuni, só encontrei polígonos com quatro, cinco, seis ou sete lados, sendo o hexágono, de seis lados, o mais comum. Um dos motivos para que esses sejam mais vistos talvez seja porque o ladrilhamento hexagonal do plano é a melhor maneira de dividir o solo em regiões com áreas iguais, porém minimizando o perímetro, ou seja, minimizando a quantidade de rachaduras de sal. Esse é o mesmo motivo do porquê as abelhas fazem colmeias com malhas hexagonais.
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“Enquanto eu caminhava pelo deserto de Uyuni, só encontrei polígonos com quatro, cinco, seis ou sete lados” – Foto: Arquivo pessoal / Phillipo Lappicy

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O mesmo ocorre em tantos outros desertos de sal no mundo, tal como o Badwater Salt Flats, nos Estados Unidos. Nesse caso, alguns lados dos polígonos não são estritamente linhas retas e as figuras resultantes são apenas perturbações de polígonos.

Em ambos os exemplos acima, do deserto do Saara e de Uyuni, os motivos para geração de padrões são aceitos na comunidade científica, porém, com pouco baseamento matemático. A matemática é a linguagem mais adequada para prever e descrever fenômenos científicos, através de uma equação que possibilita a modelagem e o melhor entendimento desses fenômenos naturais.

Com uma modelagem matemática, poderíamos entender os motivos de certos padrões de linhas e polígonos surgirem, dentre os tantos padrões existentes e possíveis; ou incluir outros fatores que ainda não foram observados pela comunidade científica. Além de entender um fenômeno natural por si só, a modelagem matemática auxilia engenheiros a construírem edifícios em solos diferenciados, além de construir máquinas que extraem minérios do subsolo. Estudar padrões na superfície do solo pode, ainda, prever a quantidade, a densidade e a diversidade de substâncias no subsolo, sem precisar ir ao local e cavar até que certo composto químico seja encontrado.

Um mecanismo que descreve certos padrões na natureza com êxito é a instabilidade de Turing, descoberto por Alan Turing em 1952. Ele demonstra como dois reagentes químicos estáveis, quando interagem, geram um sistema instável capaz de gerar padrões. Esse método é o mesmo usado na criação de padrões na pele de animais, como de uma zebra (que lembra os riscos de areia do Saara) ou de um leopardo (que lembra vagamente os polígonos de sal).

Outro mecanismo capaz de descrever padrões é a instabilidade de Rayleigh-Bénard, descrita experimentalmente por Bénard, em 1900, e fisicamente por Rayleigh, em 1916. Nesse caso, um fluido com alta temperatura no fundo de um recipiente é menos denso e tende a subir, enquanto a gravidade puxa o fluido mais frio e denso do topo para o fundo. A força gravitacional se opõe à viscosidade do fluido, que tenta fazer o fluido não se movimentar. A interação de ambas as forças também é capaz de gerar padrões.

Talvez tais mecanismos possam também ser usados na descrição de padrões nos solos de desertos. De fato, alguns padrões nas geociências são estudados pelo físico Lucas Goehring. Através de modelos matemáticos, utilizando técnicas parecidas com a de Turing, ele é capaz de modelar solos poligonais ou padrões gerais no solo. Inclusive foi capaz de modelar padrões no solo da Antártida (onde ele fez uma expedição para criar os modelos) e Marte (neste caso, ainda não foi possível fazer uma visita para verificar o solo pessoalmente).

Outros desertos dão origem a outros padrões. Por exemplo, o deserto da Namíbia, visto pela Estação Espacial Internacional. As dunas parecem formar um padrão fractal e um pouco caótico. Ou, por exemplo, os lençóis maranhenses, em que as dunas e os lagos se alternam gerando também um padrão pouco regular. Certamente, todos essas belezas visuais da natureza podem ser descritas e explicadas com algum modelo matemático, e cabe a nós o encontrar.

Enquanto o vento bate, a chuva cai ou o sol aquece, o mundo muda. A matemática é a ferramenta para modelar essas mudanças da natureza e nos ajuda a entender melhor o nosso ambiente. Com a ajuda das fórmulas e ideias, somos capazes de prever algumas ações da natureza e nos adaptar para tomarmos decisões que nos guiem para um futuro mais desejável.

 

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